Urbanização Brasileira


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Um breve resumo…

Geograficamente, pode-se definir urbanização como o crescimento do urbano através da concentração populacional. O dicionário HOUAISS da língua portuguesa, 2009, p. 1.909, define urbanização como o ato ou efeito de urbanizar(-se); conjunto de técnicas e de obras que permitem dotar uma cidade ou área de cidade de condições de infraestrutura, planejamento, organização administrativa e embelezamento conforme aos princípios do urbanismo; concentração de população em aglomerações de caráter urbano.

Urbano é o meio de vida da cidade, isto é, o que está dotado de urbanidade, relativo ou pertencente à cidade, ou que lhe é próprio; tem caráter de cidade; que ou o que vive na cidade, tem ocupação e hábitos típicos da vida da cidade (HOUAISS, 2009, p. 1.909).

Esse trecho requer uma pausa teórica, pois aqui se combate o conceito que vigora nos livros didáticos de geografia, que definem urbanização como um fenômeno que acontece quando o percentual da população urbana é superior ao percentual da população rural. O autor deste blog, além de concordar com o dicionário Houaiss, na teoria geográfica segue a Dra. em geografia urbana e profa. da UNESP Maria Sposito (SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. 14.ed. São Paulo: Contexto, 2004, p. 18, 19), quando afirma que a urbanização surgiu na Mesopotâmia (área entre os rios Tigre e Eufrates), perto de 3.500 a.C. e posteriormente às margens do Rio Nilo (3.100 a.C.), no vale do Rio Indo (2.500 a.C.) e no rio Amarelo (1.500 a.C.), isto é, àquele tempo, mesmo com o êxodo rural, era uma urbanização possível para as técnicas da época. Sobre urbanização no Brasil, os conceitos aqui seguem a linha do geógrafo Milton Santos (SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5.ed. São Paulo: EDUSP, 2008, cap. 2), quando o autor cita outro ilustre geógrafo (Aroldo de Azevedo, 1956), indicando que este “descreve o estado de urbanização em cada século do período anterior à independência” (SANTOS, 2008, p. 20 – veja que nesse recorte temporal, nem de perto o percentual de população urbana era superior ao da população rural, por isso reiteramos o erro no conceito dos vários livros didáticos de geografia que vigoram no Brasil).

A cidade – por sua vez – é o centro polarizador da região e “o lugar onde se concentra a força de trabalho e os meios necessários à produção em larga escala – a industrial –, e, portanto, é o lugar da gestão, das decisões que orientam o desenvolvimento do próprio modo de produção, comandando a divisão territorial do trabalho e articula a ligação entre as cidades da rede urbana e entre as cidades e o campo” (CARLOS, 2003, p. 64). As maiores cidades brasileiras estão mostradas em círculos amarelos no mapa que segue. Essa transformação quantitativa e qualitativa das cidades e municípios no Brasil respondem por uma remodelagem tanto urbana quanto rural. Segundo o IBGE, é considerada população urbana aquela que vive dentro do perímetro urbano de cada município.

Mapa de urbanização brasileira. Fonte: HERVÉ; MELO, 2008, p. 171.

As cidades crescem conforme suas categorias dimensionais (tamanho conforme a população que nelas precisa habitar, viver, trabalhar), funções urbanas (portuária, turística, industrial, administrativa, religiosa… quanto mais funções, maior é o centro urbano) e setor terciário diversificado (uma rede de serviços mais desenvolvida com bens e serviços de consumo raro significa um centro urbano mais estruturado). Dentro da hierarquia urbana, as cidades são classificadas desde uma escala local até uma escala global.

Mapa de crescimento das capitais 1872/2000. Fonte: HERVÉ; MELO, 2008, p. 172.

Exemplo conforme a divisão do IBGE que divide em 12 os principais centros urbanos do Brasil (veja mapa que segue):

  • Grande metrópole nacional  – São Paulo (19,8 milhões de hab. na região metropolitana em 2011)
  • Metrópole nacional – Rio de Janeiro e Brasília (12,8 e 4 milhões de hab. na região metropolitana e RIDE em 2013), com polarização menor que São Paulo. São Paulo e Rio de Janeiro também são consideradas metrópoles globais e megacidades (segundo a ONU, cidades com mais de 10 milhões de habitantes). Uma cidade global pode não ser megacidade. Ex: Zurique, Suíça, pois tem 1,1 milhão de habitantes (2009).
  • Metrópole – Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre com poder de polarização em escala regional.
  • Capital regional – subdivididas em níveis A, B e C.
  • Centro sub-regional – subdivididos em A e B.
  • Centro de zona – subdivididos em A e B e exercem polarização apenas nas cidades vizinhas e dispõem de apenas serviços elementares.
  • Centro local – cidades que atendem apenas a sua população local e não polarizam outro município.

Mapa de hierarquia urbana no Brasil. Fonte: COELHO; TERRA, 2005, p. 422.

A mobilidade da população associada à quantidade de oportunidades oferecidas pelos centros urbanos fizeram do êxodo rural o mais importante movimento populacional no Brasil do século XX. Um país que até a década de 1960 era predominantemente rural passa a ter a maioria da população morando em cidades na década de 1970 e o índice de população rural tem diminuído nas décadas posteriores (em 2008, aproximadamente 84% da população do Brasil é urbana). Portanto, a população, fortemente estimulada por esse sonho de mobilidade espacial e social campo/cidade, foi uma das principais vertentes de modernização (HERVÉ, MELO, 2008, p. 170).

A mobilidade demográfica segundo Sene e Moreira (2010, p. 623) pode ser dividida da seguinte forma: até a década de 1930, as atividades econômicas eram ditadas pelas metrópoles e a ligação era frágil com mobilidade em escala regional; a partir da década de 1930 houve uma melhora nos transportes e telecomunicações facilitou a unificação do mercado polarizado na região Sudeste com São Paulo e Rio de Janeiro atraindo um grande contingente populacional; entre 1950 e 1980, o êxodo rural foi intenso e as áreas metropolitanas cresceram consideravelmente. Destaque para o Sudeste e Sul que receberam muitos migrantes devido ao processo de crescimento industrial; da década de 1980 aos dias atuais, nota-se um crescimento maior nas cidades médias e metrópoles regionais devido às oportunidades oferecidas nesses locais, causando inclusive o processo de desmetropolização que gera uma desaceleração no crescimento populacional de regiões metropolitanas como São Paulo e Rio de Janeiro (ADAS, 2004, p. 225). Mesmo assim, a polaridade exercida pelas metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo é tida como centralidade máxima (vide mapa).

Paralelamente ao crescimento das aglomerações grandes e muito grandes, há lugar, também, para o aumento do número das cidades intermediárias e das respectivas populações (SANTOS, 2008, p. 93) […] Assistimos, assim, a fenômenos aparentemente contraditórios mas na realidade complementares, isto é, o reforço da metropolização juntamente com uma espécie de desmetropolização (SANTOS; SILVEIRA, 2005, p. 286) […] Dispersão e concentração dão-se, uma vez mais, de modo dialético, de modo complementar e contraditório (SANTOS, 2008, p. 101 e SANTOS; SILVEIRA, 2005, p. 286).

Mapa de polarização das cidades brasileiras. Fonte: HERVÉ; MELO, 2008, p. 176.

Principais regiões metropolitanas brasileiras. Nota-se a mancha da Região Integrada de Desenvolvimento Econômico – RIDE (região metropolitana que envolve dois ou mais Estados) de Brasília com uma mancha maior que as da região Sudeste. A intensidade urbana e influência exercida pela RIDE é menor que as regiões metropolitanas do Sudeste e sua espacialidade é mais horizontalizada, por isso a extensão da mancha de influência que chega a municípios de Goias e Minas Gerais. As regiões metropolitanas brasileiras a partir da Constituição de 1988 passaram a ser delimitadas por legislação estadual (antes a delimitação era determinada por lei federal). Para se ter uma ideia do crescimento das regiões metropolitanas, em 2009, o Brasil encontrava-se com 29 regiões metropolitanas e em 2014, o número mais que dobrou e pulou para 63. Além da RIDE de Brasília temos a da Grande Teresina e a de Juazeiro/Petrolina.

Até a década de 1940, aproximadamente 90% da população brasileira se concentrava em até 200km do litoral e principalmente no Sudeste e Sul do país com uma primazia das metrópoles, as capitais, que exerciam um papel superior dentro da hierarquia urbana. Conforme Hervé e Melo (2008, p. 172), as cidades que não são capitais e têm mais de 500 mil habitantes concentram-se no Sudeste. Mesma região que a única megalópole brasileira em formação (junção de duas ou mais metrópoles pelo processo da conurbação – união física entre dois centros urbanos). Cabe a abordagem de que alguns autores citam o eixo Rio-São Paulo como conurbado, portanto, com a megalópole já formada. Aqui, pela abertura em alguns pedaços da Via Dutra permitindo a conurbação não ser constante e intensa em todos os trechos, cita-se a junção entre essas duas metrópoles ainda em formação.

Megalópole SP/RJ em formação no curso da Via Dutra. Fonte: COELHO; TERRA, 2005, p. 420.

A interligação física e a intensificação de fluxos (materiais e imateriais) formam a rede urbana, os troços* instalados em diferentes períodos que contribuem para articulação regional entendido em Milton Santos, na sua obra A natureza do espaço, 2002, p. 263.

*Entende-se como ‘troços’ os diversos aparelhos urbanos que permitem os fluxos materiais (ruas, avenidas, trilhos, ciclovias e vias de pedestres) e imateriais (informação, capital virtual e internet).

A urbanização desordenada e a falta de planejamento urbano, que pega os municípios despreparados para atender às necessidades básicas dos migrantes, causa uma série de problemas sociais e ambientais. Dentre eles destacam-se o desemprego, a criminalidade, a favelização (vide mapa que segue) e a poluição do ar e da água. Relatório do Programa Habitat, órgão ligado à ONU, revela que 52,3 milhões de brasileiros – cerca de 28% da população – vivem nas 16.433 favelas cadastradas no país, contingente que chegará a 55 milhões de pessoas em 2020.

Fonte: HERVÉ, MELLO, 2008, p. 193.

Nota-se que junto a todo o desenvolvimento cresce também as desigualdades que se concentram na cidade chamada de informal, as favelas que cresceram desordenadamente e com maior velocidade nos grandes centros urbanos, como mostra o mapa e a figura que segue.

Favela na Av. Vasco da Gama em Salvador/Ba. Fonte: Foto do autor em 2007. Na foto abaixo, a imagem de satélite mostra a mesma favela com uma seta em vermelho indicando de onde a foto acima foi tirada.

“A dimensão de vários tempos está impregnada na paisagem da cidade […] A dimensão da paisagem urbana deve ser entendida e discutida como processo e não apenas enquanto forma” (CARLOS; 2003, p. 36).

Na imagem de satélite acima, a área no interior do quadrado azul delimita um pedaço do espaço urbano onde há moradias da classe abastada da cidade e a área delimitada com o círculo vermelho delimita um pedaço do espaço urbano intitulado de favela (o que o governo apelidou de ‘comunidade carente’, como se isso melhorasse a falta de infra-estrutura onde vivem os desabastados de capital). Percebe-se na imagem que na área mais abastada da cidade, o ordenamento urbano é bastante perceptível (os prédios em meio a área verde), o que não acontece nas favelas, que são pautadas pela ocupação desordenada do solo devido ao conceito de ser um espaço de necessidade feito pelas próprias mãos dos moradores.

Conforme Carlos (2003, p. 38), “sob esta aparência estática se esconde e revela todo o dinamismo do processo de existência da paisagem, produto de uma relação fundamentada em contradições, em que o ritmo das mudanças é dado pelo ritmo do desenvolvimento das relações sociais”.

Foto dos prédios marcados com o quadrado azul na imagem anterior.

“A teoria do uso do solo urbano deve ser analisada a partir da teoria do valor, fundamentada na unidade entre valor de uso e valor de troca […] O solo urbano enquanto mercadoria tem um valor que se expressa através da localização, papel e grau de inter-relação com o espaço global produzido, mesmo que seja potencial, dentro de condições específicas (CARLOS, 2003, p. 47 e 53).

Referências:

ADAS, Melhem. Panorama geográfico do Brasil. São Paulo: Moderna, 2004.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 7.ed. São Paulo: Contexto, 2003.

HERVÉ, Théry; MELLO, Neli Aparecida de. Atlas do Brasil: disparidades e dinâmicas do território. São Paulo: EDUSP, 2008.

SENE , Eutáquio de; MOREIRA, João Carlos. Geografia geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2010.

TERRA, Lygia; COELHO, Marcos Amorim. Geografia geral. São Paulo: Moderna, 2005.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2002.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 7.ed. São Paulo: Record, 2005.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5.ed. São Paulo: EDUSP, 2008.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. 14.ed. São Paulo: Contexto, 2004.


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