Industrialização brasileira (recortes de Getúlio e JK perante a escala geográfica local-global)

Por Marcos Bau

Para exemplificar o contexto ministrado em diferentes escalas, segue uma das abordagens usadas em sala pelo autor. Uma abordagem bem direta ao não se preocupar com particularidades do processo teórico, mas com o próprio processo em si, porém, caso o aluno tenha alguma dúvida diante da explicação sobre alguma pontualidade, cabe ao professor saná-la. Se não souber responder diante da pergunta, não há nenhum problema em pedir ao aluno que aguarde a resposta em uma próxima oportunidade, após o docente pesquisar melhor sobre o assunto. Dentro do texto que segue é dado um exemplo do que seja considerado pontualidade.

O exemplo sobre o recorte de um período da industrialização brasileira foi escolhido devido à variedade de fenômenos que permeia tal matéria e assim permite uma margem bem flexível na exposição da aula.

Durante os primórdios da industrialização brasileira, a explicação vem da revogação do alvará de 1785, que proibia a instalação de indústrias no Brasil. Dom João assina e a espacialidade industrial começa bem incipiente no início do século XIX e, principalmente, territorializada entre as regiões Nordeste e Sudeste. A Lei Alves Branco (1844), ao elevar a alíquota dos produtos importados para tentar encher os cofres públicos pelos impostos, deu um impulso indireto no crescimento industrial brasileiro.

A estratégia de contenção da industrialização foi tocada pela oligarquia rural vigente e o destaque é para os cafeicultores paulistas, que, além de acumularem o maior poder dentre outras oligarquias do século XIX e início do XX (gado de corte e leiteiro mineiro e da borracha nos entrepostos nortistas de Belém e Manaus), crescem o poder em uma escala nacional, a ponto da política se transformar em uma “política do café com leite”, quando as oligarquias rurais de São Paulo e Minas Gerais se revezavam na indicação dos presidentes da república, desde o governo Prudente de Morais, em 1894, até a Revolução varguista de 1930. A durabilidade oficial é demarcada em datas que se tornaram históricas, mas a efetiva territorialidade oligarca vai demorar mais tempo para perder seu poder nacional.

O contexto externo da concentração de capital da transição do século XIX para o século XX, no qual o Brasil se insere nas relações internacionais, é de países desenvolvidos que estão passando por uma Segunda Revolução Industrial, onde a eletricidade e os motores a combustão já haviam entrado em ação e o sistema fordista havia sido implantado nos EUA. O Brasil ainda era um país agrário-exportador, de processo industrial tímido e incipiente, com indústrias leves ou de bens de consumo não duráveis (alimentícia e têxtil eram destaques). O modelo fordista vai ajudar no impulso industrial do Brasil, devido à necessidade de maiores investimentos internos e da cooptação do Brasil e de outros países periféricos pelo aumento no faturamento do nosso maior credor e comprador do nosso café, os Estados Unidos.

Uma maior intensidade industrial veio com o governo de Getúlio Vargas (1930 – 1945), que inicia o desenvolvimentismo do país a partir da substituição de importações, em um projeto macroeconômico que tinha a finalidade de tornar o Brasil mais urbano e industrial. Vargas sabia que tornar um país basicamente agrário-exportador em um país mais urbano-industrial levaria tempo e, com isso, usou muito do capital da base agroexportadora em projetos como “Marcha para o Oeste” e a própria venda do café, que significava 70% da pauta de exportação do Brasil na década de 1930. A crise de 1929, somada às premissas do desenvolvimentismo interno empurrava a solução para o crescimento na direção da diversificação industrial, isto é, passar do estágio de indústrias de bens de consumo não duráveis para a produção de bens de consumo duráveis, mas, para isso, como nosso espaço interno sempre teve muitos recursos minerais, teríamos que antes investir na indústria de base, devido à necessidade de processar a grande quantidade dessa matéria prima bruta; nessa época, o minério do Quadrilátero Ferrífero. Contudo, o capital interno não era suficiente para a implantação da indústria pesada, pois o investimento é bastante dispendioso.

Nesse contexto de investimento vem a obrigatoriedade da entrada do capital externo. Na construção de um pensamento mais completo, não basta a informação da vinda do dinheiro, mas também o esquadrinhamento dos acontecimentos político-econômicos em uma escala global e na lógica de fora para dentro. A parte do capital externo que serviu para a implantação da primeira indústria de base no Brasil veio da chamada “neutralidade interesseira” varguista, quando, ao mesmo tempo, negociou com a Alemanha nazista e com a democracia estadunidense. A ideologia ficou em segundo plano, pois os US$ 20 milhões que faltavam para o investimento veio da democracia rooseveltiana, apesar do Estado Novo se assemelhar politicamente ao nazismo alemão. Assim foi implantada nossa primeira indústria de base em Volta Redonda/RJ, a Companhia siderúrgica Nacional – CSN, em 1941. Logo depois, em 1942, foi criada a Companhia Vale do Rio Doce para explorar o minério mineiro do Quadrilátero Ferrífero.

O dinheiro estadunidense veio em um momento geopolítico da Segunda Guerra em que os aliados queriam mais aliados. O contexto explicativo desses dólares emprestados ao Brasil vem da década de 1930. Os Estados Unidos enfrentaram uma grave crise que ficou conhecida como a Grande depressão de 1929 ou quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. Em 1933, Roosevelt lançou o New Deal (novo acordo), um projeto keynesiano que fez o Estado intervir na economia através de medidas emergenciais. Ao mesmo tempo, o capital de maior volume veio da indústria bélica, pois a Europa viu a ascensão de Hitler como chanceler no mesmo ano de 1933. O maior volume do capital da recuperação veio da indústria bélica e seu contexto será explicado nos parágrafos que seguem.

Hitler remilitarizou a Renânia, tomou a região dos Sudetos e dilacerou territorialmente a Tchecoslováquia; depois disso assinou o Acordo de Munique com Stalin e os ministros das ralações exteriores da França e Inglaterra, Daladier e Chamberlain. Esse contexto geopolítico ficou conhecido por ‘política do apaziguamento’, pois a França e a Inglaterra acreditavam que o expansionismo hitleriano iria cessar. Não cessou a ponto da tensão geopolítica aumentar e os ministros, Chamberlain e Daladier, perderem seus cargos. Nessa atmosfera, a produção bélica da indústria americana aumentava para fornecer armamento aos aliados europeus, mas ainda sob a premissa de defesa. Quando a Segunda Guerra eclodiu a produção industrial estadunidense deu saltos de crescimento, principalmente no momento em que os americanos entraram na guerra depois do ataque japonês a Pearl Harbor. Estava quebrada a geopolítica isolacionista da Doutrina Monroe (América para os – norte – americanos), que seria substituída em um futuro breve pela Doutrina Truman, de premissa expansionista, alicerçada na contenção do socialismo soviético e iniciada no ano de 1947.

Contraditoriamente, a premissa de guerra e sua efetividade desenvolveram a indústria bélica. Além da produção direta de aviões, tanques, armas e etc., muito da tecnologia que permeia a produção para a guerra e que posteriormente passou ao domínio dos civis (internet, GPS, Google Earth…), também contribuiu para tirar totalmente os EUA da crise de 1929 e o pós-guerra efetivou uma espacialidade cada vez maior das empresas multinacionais no planeta. O Brasil participou ainda mais ativamente da economia-mundo no governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1960).         

O crescimento do governo juscelinista, na ordem do PIB saltando em média a 10% anual, foi baseado em um tripé de investimentos: a parte bípede veio dos investimentos dos dois governos de Getúlio Vargas, através de empresas nacionais e estatais; o outro pé para completar o tripé veio das multinacionais. O momento ainda era de (re)arrumação das territorialidades do pós-guerra, quando os estados Unidos estavam pulverizando os países periféricos passíveis de investimento, para que não acontecesse outra crise como a de 1929, quando o comércio de produtos duráveis e mais tecnológicos eram restritos aos países mais ricos (EUA/Europa). Entendendo a crise de 1929 nesse contexto, pode-se afirmar que foi uma crise de superprodução, quando a Europa, ainda em recuperação econômica devido à Primeira Guerra, não conseguiu abarcar a produção fordista norte-americana da década de 1920. A produção foi “travada” pela falta do consumo e a circulação e distribuição produtiva, que faz parte da logística, deprimiu a economia com a quebra da bolsa em Nova Iorque. A depressão econômica fez os EUA enxergarem que precisavam diversificar seus investimentos abrindo filiais das multinacionais em países periféricos como o Brasil – uma nova configuração geoeconômica que se seguiu a uma nova configuração geopolítica; a do pós-guerra e do pós-conferências de Yalta e Potsdam, onde os EUA, que já haviam quebrado o isolacionismo da Doutrina Monroe, passaram a tocar o expansionismo geopolítico da Doutrina Truman.

Resumindo, para manter o poder geopolítico era necessário alimentar a pulverização geoeconômica do capital multinacional. O governo juscelinista participou de um momento externo em que os EUA precisavam expandir suas empresas matrizes especializando-as em filiais e o desenvolvimentismo brasileiro dentro do Plano de Metas requeria um grande crescimento, que sem o aporte do capital externo não seria possível. Oito multinacionais montadoras de automóveis se implantaram e modificaram o parque industrial de São Paulo; o êxodo rural começou a se intensificar e cidades como São Paulo e Rio de Janeiro adensaram a urbanização e, consequentemente, os problemas como desordenamento urbano, desqualificação na mão de obra e desigualdade social, que será avolumada em muito pela modernização conservadora[1] dos futuros governos militares.

Pausa para a pontualidade. Nessa linha de explicação sobre o desenvolvimento econômico e o investimento industrial baseado no tripé juscelinista, uma aluna perguntou se o rompimento de JK com o FMI afetou o plano de crescimento do governo. A resposta é que não foi o rompimento que causou a crise, pois este durou 8 meses (jul. 1959 a fev. 1960), mas o modelo desenvolvimentista associado a uma crise externa, pois o capital externo foi a base do maior investimento para o crescimento industrial. Quanto ao caso em si, o FMI recomendou que o Brasil cortasse os gastos públicos para desaquecer a economia e os salários; e reduzisse a inflação ao patamar de 6% anual. JK tentou atender, mas o plano não deu certo – a ponto do presidente trocar o ministro da Fazenda – e estava claro que tal premissa do Fundo condenaria o projeto desenvolvimentista do Plano de Metas e atrasaria a obra da construção de Brasília. Isso o fez romper e ter apoio do povo.

Quando as forças internas e externas combinam premissas para o crescimento econômico, a tendência é de um período de benesse. Esse período iniciado no pós-guerra ficou conhecido como ‘welfare state’ ou uma época em que a condição do Estado era de mantenedor do bem-estar social.

[1] Crescimento econômico sem desenvolvimento social. A falta de projetos sociais durante a ditadura militar (1964-1985) foi marcada por duas célebres frases governamentais: uma proferida pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, ao dizer – em seu governo – que “a economia vai bem, mas o povo vai mal”; e a outra dita pelo Ministro da Fazenda dos governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici (1969-1973), Delfim Neto, quando afirmou que queria “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”. O bolo (PIB) cresceu, mas a divisão não foi feita e os benefícios econômicos do efêmero “milagre econômico” (1968-1973) não alcançaram a população de baixa renda. O “milagre” foi efêmero por ter sido pautado no capital externo. Contudo, a dívida externa, que em 1964 era de aproximadamente US$ 3 bilhões passou a US$ 90 bilhões em 1983, marcando o início da “década perdida”.