Os últimos suspiros da corte findados em 15 de novembro de 1889

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A família imperial na varanda da residência da princesa Isabel e do conde d’Eu, em Petrópolis, hoje Casa da Princesa, 1889.

A corte se julgava europeia e o imperador, Dom Pedro II, era um grande erudito que falava sete línguas, mas a verdade é que a nobreza brasileira era composta de pobreza e ignorância. O Brasil da década de 1880 resumia-se a 14 milhões de habitantes, mais de 90% de analfabetos (99% entre os escravos), 80% de população rural e o café respondendo por 60% da produção mundial. Um país de produção pautada no escravagismo (viajantes da época retratavam o que viam e afirmavam que a elite não trabalhava), com mais de um milhão de cativos tratados como mercadoria, que dava base à composição da preguiçosa nobreza, ou seja, a acumulação se dava através das fazendas de mão de obra cativa (80% das terras eram latifúndios) e de traficantes de escravos, sustentáculos políticos do império que, por sua vez, concedia-lhes títulos efêmeros de nobreza não hereditária a tais expropriadores da produção pela via da escravidão. Com a Lei Áurea os barões escravagistas do café, pilares de sustentação do trono imperial (apesar da corte ser abolicionista), se sentiram traídos pela coroa e a abolição foi mais uma força para que os fazendeiros escravagistas dessem apoio em massa à causa republicana.

O desenrolar das maiores forças do que se comporia no golpe republicano foi iniciado em 1870, quando o primeiro clube republicano do país foi criado. Duas dezenas de jornais republicanos também foram criados nos dois anos seguintes e o Partido Republicano, que servia para defender os interesses da oligarquia rural paulista, surgiu na Convenção de Itu em 1873. Uma disputa religiosa, que chegou a ponto de dom Pedro II mandar prender dois bispos e fez o papa sair em defesa dos clérigos, também desgastou o Império, causou a queda do gabinete do visconde de Rio Branco e, ao mesmo tempo, levou à ascensão do gabinete chefiado pelo conservador Duque de Caxias. As desavenças entre políticos monarquistas do Partido Conservador e oficiais do exército, entre os anos de 1883 e 1887, geraram uma crise que estourou nos jornais, com ataques à monarquia, afirmando que o exército era a única força que se mantinha em meio à nação que já se encontrava em ruínas. Em meio aos ataques, o marechal Deodoro, comandante em armas do Império e presidente da província do RS, havia afirmado que não puniria o coronel Madureira, que havia publicado artigos em jornal, o que era proibido por lei aos militares, isto é, o fato de se manifestarem acerca de assuntos políticos não era permitido. Diante do imbróglio, o presidente do Conselho de Ministros, barão de Cotegipe, exonerou o marechal Deodoro das funções no RS e o enviou para o RJ. A Escola Militar da Praia Vermelha/RJ (centro científico dos militares e berço da “mocidade militar”) o recebeu de braços abertos e declarou total apoio a Deodoro, tornando a tensão entre militares e governo imperial incontrolável, tanto que, no fim de 1888, Deodoro foi despachado para o Mato Grosso em uma operação de observação de fronteiras. Operação esta que o único intuito era afastar Deodoro dos acontecimentos políticos da capital, mas quando correu o boato de que seu inimigo Silveira Martins havia sido nomeado para a presidência da província do RS, ele voltou para o RJ sem dar maiores satisfações ao imperador. A verdade é que como o Império já vinha desmoronando, só precisava de um pequeno empurrão para cair. O empurrão veio.

Um boato difundido no centro do Rio de Janeiro, de que Deodoro tinha sido preso e unidades militares tinham sido enviadas para todo o país, para conter a rebelião nos quartéis, apressou o golpe republicano. Importante ressaltar que toda a arquitetura do golpe de 15 de novembro foi planejada pelo cérebro de Benjamin Constant, que precisou de Deodoro para catalisar as forças militares e servir de ponte entre a velha-guarda, que o marechal tão bem conhecia e tinha influência, e a “mocidade militar” comandada intelectualmente por Constant. Benjamin Constant detestava guerras, não gostava de ser militar e se julgava mal pago. Foi servente de pedreiro, mas já soldado descobriu suas paixões pela matemática e pelo positivismo comteano. Em 1872 entrou para o magistério da Escola Militar da Praia Vermelha e quatro anos depois fundou a Sociedade Positivista do Brasil. Como professor teve cinco primeiros lugares em concursos para assumir cátedra, mas só conseguiu vaga quando casou com a filha de homem influente na corte (sempre os escolhidos eram os apadrinhados políticos e não os classificados no concurso). Tornou-se um professor de destaque e foi líder da “mocidade militar”, grupo de tenentes “científicos”, de maioria republicana, e seguidores da “religião da humanidade” fundada pelo francês Augusto Comte (1798-1857). Benjamin não era republicano, mas pelos desprezos sofridos: no quartel, no ofício de professor e no soldo salarial, além da influência recebida pelos seus alunos republicanos, tornou-se militante da ditadura republicana e, junto com Deodoro, fundou o Clube Militar no ano de 1887. Em suma, a ditadura republicana e positivista do lema transcrito em “ordem e progresso” vem da ideia do pensador francês Augusto Comte que, na versão tupiniquim, foi pensada e esquadrinhada por Constant e executada por Deodoro.

Na imagem o marechal Deodoro da Fonseca pelo pintor Henrique Bernardelli. O cavalo baio número 6 foi o primeiro beneficiário das aposentadorias na república brasileira.

Por sua vez, indisciplinado, com vasta incompetência administrativa e de comportamento explosivo, Manuel Deodoro da Fonseca foi herói na Guerra do Paraguai (1864-1870 – mortos: 200 mil paraguaios, 33 mil brasileiros, 18 mil argentinos e 3 mil uruguaios) e pelos seus atos de bravura vieram suas mais altas patentes militares e a aproximação com a política. Assim sendo, em 1883 veio a nomeação para o comando de armas da província do RS. Foi a partir daí que começou a odiar o conselheiro do Império, Gaspar Silveira Martins, por uma disputa pela filha do general gaúcho Andrade Neves, a bela viúva Adelaide, que preferiu entregar seu coração ao mais inteligente e articulado Silveira Martins. Quando Silveira Martins havia sido indicado pelo visconde de Ouro Preto (chefe dos ministros imperiais e ancestral do vocalista do Capital Inicial Dinho Ouro Preto), para chefiar o ministério de dom Pedro II, na noite de 15 de novembro de 1889, Deodoro logo levantou da cama, mudou sua ideologia para republicana e amargurado, do seu quarto mesmo a proclamou.

Em tempo, mesmo tentando conquistar o coração da viúva Adelaide, o marechal Deodoro da Fonseca era casado, em 1889 tinha 62 anos, não era e nem nunca tinha sido republicano, e estava muito doente, pois sofria de falta de ar devido à arteriosclerose, além de ter passado quase o mês de outubro inteiro na cama (muitos pensavam que ele morreria naquele 15 de novembro, antes do golpe e posterior proclamação da república – morreu em agosto de 1892). Levantou da cama para dar o golpe, mas estava tão fraco que, naquela manhã do dia 15 de novembro, foi de charrete até bem próximo do Campo de Santana; dali é que montou em um cavalo baio manso, que o exército arrumou para que ele não caísse, a fim de comandar a tropa de 600 homens armados e postados em frente ao quartel que estava visconde de Ouro Preto e seus subalternos, os ministros imperiais. Sem disparar um tiro sequer tomou o poder, mas não proclamou a república, que só aconteceria horas depois, às seis da tarde, muito pela amargura que tinha no coração, por ter perdido Adelaide para seu inimigo e por não permitir que esse inimigo levasse vantagem ao assumir o comando dos ministros, caso o Império sobrevivesse.

O imperador Dom Pedro II sofria de epilepsia e em novembro de 1889 era um velho de quase 64 anos, diabético, cansado e bastante debilitado, que em nada lembrava aquele imperador das 14 amantes, dentre elas atrizes, damas da corte e até a mulher de um embaixador uruguaio, mas sua maior paixão foi a condessa de Barral, em um romance que durou 34 anos, até a morte dos dois no mesmo ano de 1891. Pedro II, que entre junho de 1887 e agosto de 1888 esteve na Europa cuidando da sua precária saúde e voltou ainda sem forças para conduzir a nação, em novembro 1889 se encontrava em Petrópolis e – no dia 15 – já havia se recolhido quando recebeu um telegrama de seu chefe dos ministros, o visconde de Ouro Preto, mas o recebedor do bilhete, seu médico particular, não quis acordar o imperador, por não perceber que na capital o Império naufragava. O telegrama só foi recebido às 11h da manhã, quando Pedro II sentiu a gravidade e resolveu ir de trem para o Rio de Janeiro ao invés de seguir o conselho do engenheiro abolicionista e amigo da família imperial, André Rebouças, de recuar para Minas Gerais e organizar as tropas fiéis ao império. Enquanto Dom Pedro estava no trajeto ferroviário construído pelo barão de Mauá, os ministros já haviam sido destituídos e o visconde de Ouro Preto seria posteriormente preso e deportado (dom Pedro II só chegaria à capital do RJ às 19h, com o golpe sacramentado e a república proclamada).

Naquela manhã, os soldados não tinham a mínima ideia que estavam ali para derrubar a monarquia, pensando eles que seria uma manobra militar trivial. Só tiveram a percepção do golpe tardiamente nessa mesma manhã de 15 de novembro, quando viram Deodoro cavalgando vagarosamente em meio às tropas e invadindo o quartel que estava o visconde de Ouro Preto. O pouco do povo que ali estava só assistiu, muitos sem o devido entendimento do que estava acontecendo, pois, essa classe chamada povo, no Brasil, nunca teve protagonismo algum. Os políticos, barões, condes, viscondes e demais fidalgos, que eram servidores do Império, logo mudaram de lado (e de ideologia!?) para ganhar outros cargos de privilégio na república.

Como o golpe foi dado no final da manhã do dia 15 e a proclamação da República só aconteceu às seis da tarde, foi na madrugada do dia 16 que a corte se viu deportada e partiu para a Europa às três da manhã, em uma viagem que durou três semanas. Dois anos depois, dom Pedro II morreria em um quarto de hotel na cidade de Paris. Em 1920, o presidente Epitácio Pessoa revogou o decreto que banira a família real do país e, em 08 de janeiro de 1921, os restos mortais do imperador e da imperatriz, Teresa Cristina, foram transferidos de Lisboa para a catedral de Petrópolis.

Os dez primeiros anos da república foram catastróficos em corrupção, arrocho salarial, aumento de impostos, comando da oligarquia rural, repressão a movimentos populares e sangue, fraude eleitoral, fechamento do congresso, renúncia presidencial e muita impunidade, mas isso é tema pra outro texto.