O Mundo Movido a Petróleo

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Sem energia não há sociedade humana. Essa afirmação categórica é tão verdadeira quanto o fato de que sem energia não haveria sequer seres humanos. Todas as formas de energia provêm do Sol e são armazenadas na natureza. Nosso corpo vive por processar carboidratos, gorduras e proteínas, capazes de liberar energia para manter nossa temperatura média, de 37 graus centígrados, e nossa sobre-vivência, nos movimentar, trabalhar, respirar e pensar. A sociedade vive da energia retirada principalmente dos derivados de petróleo. Ela é necessária para a existência e o funcionamento da sociedade, pois é apenas uma ampliação em larga escala dessa exigência no próprio corpo humano.

Por isso, todas as nações buscam per¬manentemente fontes de energia para garantir essas mesmas atividades essenciais: sobreviver (cozinhar e tornar banho), movimentar-se (transportes), trabalhar (indústria, comércio e agricultura), manter a temperatura ambiente (calefação e ar condicionado) e pensar (lazer, informática etc).

Neste momento do século XXI, a humanidade vive o mesmo dilema de uma pessoa comilona e obesa que se vê, de repente, com muita gordura no corpo e correndo o risco de ficar sem comida. As fontes tradicionais de energia estão se esgotando num futuro não muito distante, e, simultaneamente, o planeta está armazenando energia demais no lugar errado, o que provoca o aquecimento global da atmosfera. Ao queimar materiais como lenha, petróleo, xisto, carvão, gás natural e outros, o homem utiliza apenas parte da energia do sol armazenada neles; a outra parte é liberada na atmosfera, sob a forma de gases, que também retêm calor. Em todos os casos, esta¬mos queimando ou liberando carbono. Em razão disso, a atmosfera está se tornando obesa de carbono, principalmente na forma de dióxido de carbono (CO). Da mesma maneira que uma pessoa obesa tem de mudar a dieta alimentar, o ser humano precisará diversificar sua cesta energética e utilizar menos o petróleo, que era seu combustível mais calórico, econômico e fácil.



Os problemas atuais de energia e meio ambiente são duas faces da mesma moeda. Matriz de energia Todos os países calculam periodicamente quantos recursos possuem de energia, quanto gastam e em quais usos. Esse conjunto é a matriz de energia, e no Brasil ele é acompanhado e consolidado num relatório anual do Ministério de Minas e Energia chamado Balanço Energético Nacional. Para ser eficiente, o balanço é um estudo detalhado que registra os recursos de energia primários (petróleo, xisto, carvão mineral, lenha, cana-de-açúcar, mamona, urânio e água), os secundários (óleos cru e diesel, gasolina, bagaço de cana, álcool, biodiesel, carvão vegetal e eletricidade), as formas de uso (mecânica, nuclear etc.) e os setores de consumo, como transporte, indústria, comércio e residências. Manter a oferta de energia em crescimento na matriz e mudá-la quando preciso é um desafio permanente de cada nação. Além de ser necessário dispor de cada recurso, é preciso disponibilizá-lo de acordo com sua forma preferencial de uso e fazê-lo chegar aos locais de consumo a um preço viável. O gás natural, por exemplo, é mais eficiente do que a eletricidade para gerar calor e aquecer a água do banho em países de inverno rigoroso, mas é necessário canalizá-lo até os imóveis.

Países como o Japão e a França não dispõem de grande volume de recursos hídricos e têm pouco ou nenhum petróleo. Eles importam o petróleo e seus derivados e utilizam usinas nucleares em larga escala para oferecer eletricidade. Em razão desses fatores, uma das características históricas das matrizes energéticas é mudar lentamente. As últimas alterações significativas na matriz mundial ocorreram após a primeira crise de preços do petróleo, em 1973. Para reduzir a dependência do petróleo, os países desenvolvidos ampliaram primeiramente a construção de usinas nucleares. Essa opção, porém, passou a ser muito questionada após os acidentes nos Estados Unidos, em Three Mile Island, e na Ucrânia, em Chernobyl (veja foto que segue). Na etapa seguinte, acentuou-se o uso de gás natural para calefação e em usinas termelétricas. Usina Nuclear de Chernobyl – Ucrânia em 2008, 22 anos após o acidente.

Usina Nuclear de Chernobyl – Ucrânia em 2008, 22 anos após o acidente.

Com a alta do preço de petróleo e a preocupação com o aquecimento do clima, uma nova mudança está sendo discutida mundialmente, a partir dos resultados do Brasil com a fabricação de carros flexfuel com motores bicombustível, que queimam gasolina e álcool. Em 2007, pela primeira vez a cana-de-açúcar foi a segunda maior fonte de energia na matriz brasileira, com 15,7% do total, à frente da hidreletricidade (14,7%); só ficou atrás do petróleo (36,7%). No ano passado, o total de produção de energia renovável e não renovável no Brasil ficou muito próximo de 50% cada um. Nesse aspecto, nosso país tem sido destaque permanente na imprensa mundial e em instâncias internacionais do setor de energia.

Substituir é o lema

Trocar a gasolina por álcool hidratado e o óleo diesel por biodiesel (produzido com mamona, dendê, soja etc) tornou-se o tema do momento. Primeiramente porque o pe-tróleo é nobre demais como matéria-prima para ser apenas queimado em motores, e também porque o Brasil já mostrou que é possível, com planejamento, substituí-lo com alguma rapidez. De acordo com o balanço de 2005 da Agência Internacional de Energia (AIE), quando se observa apenas o setor de transportes, os derivados de petróleo respondiam por mais de 90% dos combustíveis utilizados no mundo, e essa participação chegava a uma média de 96,7% no conjunto dos 30 países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – que agrupa as nações mais ricas do planeta.

Países da OCDE – Com azul mais escuro os fundadores. Azul claro, outros membros.

É lógico reduzir o uso específico de petróleo como combustível porque há outros materiais bastante empregados, que – ainda que emitam gases de efeito estufa, como o carvão mineral e o gás natural – não servem preferencialmente para mais nada a não ser para queimar. O petróleo possui vários usos industriais, como na fabricação de plásticos, por exemplo. De acordo com dados da AIE, a queima de carvão mineral (retirado do subsolo) respondeu por 25,3% da energia mundial em 2005, atrás apenas do petróleo, com 35%. E esse percentual deve aumentar, na corrida para substituir o petróleo caro onde dá, como em caldeiras e fornos industriais.

Mudar os combustíveis de transporte, portanto, é uma das proposições mais viáveis do momento e pode-se afirmar, com alguma margem de certeza, que no decorrer deste século novas tecnologias deverão substituir a dos motores de combustão, como a de baterias elétricas de grande potência ou a de motores movidos a hidrogênio. O Brasil tem interesse em criar mercados para exportar álcool combustível de cana-de-açúcar e também carros flex e defende sua adoção como um caminho para frear o aquecimento global. A proposta em princípio interessa aos Estados Unidos, que dividem conosco a liderança na produção mundial de álcool (no caso deles, a partir do milho), e à índia, que possui terras e clima para o plantio de cana Durante os últimos meses, porém, essa proposta passou a receber críticas que afirmam que sua adoção em larga escala poderia reduzir a produção de alimentos e encarecê-los. O Brasil procurou rebater essas criticas na última Conferência Mundial das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, realizada em maio de 2008, em Roma. Os países interessados em biocombustíveis querem garantia de abastecimento, e, num primeiro momento, nações como a China e o Japão discutem a possível adição de álcool anidro à gasolina em seus postos, para reduzir os gastos com a importação de petróleo e a poluição atmosférica.

Cotação do petróleo em alta

O petróleo é formado da decomposição de matéria orgânica, como animais e plantas soterrados há milhões de anos. Sua extração e seu uso em larga escala começaram apenas na segunda metade do século XIX, mas tornou-se rapidamente o produto de uso mais amplo na matriz energética mundial. Ele é um composto de carbono muito rentável para o custo que oferece, em relação a outros energéticos. De um barril de petróleo extraímos vários subprodutos com moléculas que contêm diferentes quantidades de carbono, como querosene comum e de aviação, óleo combustível, óleo diesel, gasolina, gases de uso industrial e doméstico (etano, metano, propano e butano), parafina e nafta. Esta última é uma importante matéria-prima da indústria, da qual se extraem eteno, propeno, benzeno, tolueno e xilenos para produzir plásticos, polímeros, vinis, tintas, solventes, removedores e tecidos sintéti¬cos, principalmente o náilon. Porém, mais da metade do petróleo extraído é transformada em combustível para motores. Quando queimado em quantidade equivalente, o petróleo produz o dobro da energia liberada pelo carvão mineral. Assim, a partir de sua descoberta foram criadas máquinas movidas a óleo, gasolina e querosene, mais eficientes do que as máquinas a vapor, alimentadas com carvão, que haviam impulsionado a Revolução Industrial a partir do século XVIII. Todo o desenvolvimento econômico do século XX e muito de seu progresso tecnológico estão ligados ao uso do petróleo. Por sua importância, ele está no centro das questões econômicas e também de problemas estratégicos e geopolíticos mundiais. Mas, diferentemente de vezes anteriores, seu preço está subindo não necessariamente em razão de conflitos, mas porque o consumo está elevado.

As principais reservas mundiais de petróleo estão no Oriente Médio. Segundo a AIE, as reservas mundiais comprovadas de petróleo em 2005, por regiões, eram de 1.160 bilhão de barris (mais de um trilhão), dos quais 742 bilhões (64%) estavam no Oriente Médio, principalmente na Arábia Saudita, no Irã, no Iraque, nos Emirados Árabes Unidos e no Kuweit. Seguiam-se a Ex-União Soviética e a Europa, com 140 bilhões, e a América Central e a do Sul, com 103 bilhões. A América do Norte aparece apenas com 59 bilhões de barris, apesar de incluir o maior consumidor mundial: Estados Unidos.

Quando se analisa o esgotamento de reservas, o que se faz é o seguinte:

> soma-se a quantidade de reservas de cada país;

> dividem-se as reservas pelo volume extraído anualmente.

Feitas as contas com os dados até 2005, alguns países aparecem na lista da AIE em situação pouco favorável (o que só pode mudar se novas reservas de grande porte forem encontradas ou se o ritmo de extração diminuir). Argentina, Dinamarca e Noruega, por exemplo, deverão esgotar suas reservas em 2014, e os EUA, em 2019. As reservas do Brasil tinham previsão de esgotar-se em 2024, mas isso foi antes da descoberta das duas megarreservas de óleo e gás batizadas de Tupi e Carioca, na bacia de Santos (Pré-sal).

Motivo de disputas

Assim, vimos que o petróleo atualmente move a economia mundial. Como quase dois terços das reservas globais comprovadas estão no Oriente Médio, a região é de grande importância geopolítica, pois, quando os estoques da maioria dos de¬mais países já estiverem se esgotado, os da região continuarão a ter o ouro negro, e ele valerá ainda mais. Durante o século XX, o Oriente Médio foi alvo de ocupações e intervenções militares das nações mais ricas. Na primeira metade do século passado, pelo Reino Unido e pela França, especialmente.

Após a II Guerra Mundial e com o fim do colonialismo passou a ser área de influência e atuação diplomática, política e militar dos Estados Unidos (EUA), com ou sem a participação de aliados europeus. Os Estados Unidos consumiam, em 2003, 27% de todo o petróleo produzido no mundo. Do total que o país consumir mais da metade (54%) foi importada. Nos últimos 20 anos, as importações norte-americanas cresceram a uma média constante de 5% ao ano. Paralelamente, os EUA acentuaram suas intervenções militares no Oriente Médio.

Os norte-americanos mantêm base militares permanentes e também rota naval na região do golfo Pérsico. Durante a década de 1980, os EUA estiveram em conflito aberto com a Líbia (país árabe do norte da África), que tem 90% de sua receitas externas vindas de petróleo, chegaram a bombardear a capital, Trípoli, e a cidade de Benghazi, em 1986.

No mesmo período, os EUA entraram numa escalada de conflitos diplomático e militares com o Irã, após a revolução popular que derrubou o xá Reza Pahlevi, seu aliado, em 1979, e deu início ao regime dos aiatolás. Apoiaram o Iraque quando este invadiu o Irã, em 1980, numa guerra que durou oito anos, mas nessa mesma guerra, membros do Poder Executivo dos Estados Unidos vendiam armas para o Irã em troca da libertação de reféns estadunidenses, além do financiamento dos “contras” que combatiam a revolução nicaraguense ou sandinista através da venda clandestina de armas ao Irã.

Em 1991, com o apoio das Nações Unidas, os EUA lideraram pela primeira vez uma invasão no Iraque, na Guerra do Golfo, para forçá-lo a desocupar o Kuweit, que ele invadira no ano anterior. Em 2003, os EUA voltam a ocupar o Iraque, com o apoio do Reino Unido e de outros países, mas sem o aval das Nações Unidas, e derrubam a ditadura de Saddam Hussein. Atualmente, os EUA estão em conflito diplomático com o Irã, que é acusado de manter um programa clandestino para produzir armas nucleares a partir do enriquecimento de urânio – acusação negada pelo Irã.

Fora do Oriente Médio, os EUA estão em embates políticos e diplomáticos com a Venezuela, que tem as maiores reservas petrolíferas da América do Sul e da qual compram bastante petróleo há décadas. O governo de esquerda de Hugo Chávez acusa os EUA de imperialismo, de desrespeitar sua soberania e de apoiar grupos que querem desestabilizá-lo. Neste ano, o governo norte-americano anunciou que está reabilitando sua frota militar na América Latina, que estava desativada.

Em razão da globalização da economia, do aumento do consumo, da possível escassez do produto e até de pressões de grandes nações consumidoras e das empresas multi-nacionais, houve durante a década passada um movimento de associação de capitais, de fusões e de aquisições entre as empresas petrolíferas e de abertura de mercados. O Brasil, por exemplo, abriu nosso mercado em 1997 e quebrou o monopólio da Petrobras, que passou a atuar como transnacional em mais países. A Líbia abriu seu mercado à atuação estrangeira em 1999.

A partir dos anos 1990, os países que são grandes consumidores e as empresas da área começaram a exercer atividade em nações que possuíam reservas de petróleo ou descobriram outras, principalmente no continente africano. A exploração e a compra de petróleo na Nigéria, Angola, Sudão e Chade têm sido motivo de enormes disputas, sobretudo entre os Estados Unidos e a China.

Expansão da Ásia

O crescimento econômico constante da China e da índia, que, juntas, somam 2,4 bilhões de habitantes (38% da população do globo), pede urgência em medidas para alterar a matriz energética mundial e substituir os derivados de petróleo, na avaliação da Agência Internacional de Energia (AIE). Esse é o tema central do relatório anual da entidade em 2007, que projeta três cenários econômicos possíveis para 2030. No cenário mais provável, caso os níveis de consumo atual não se alterem, poderá haver desabastecimento de petróleo, uma alta acentuada do preço e um consumo sem precedentes de carvão mineral, um dos piores poluentes, que será usado principalmente para produzir eletricidade em centrais térmicas. “As conseqüências são alarmantes para todo o planeta”, diz o relatório. “À medida que aumentam suas rique¬zas e seu poder aquisitivo, as populações da China e da índia vão consumindo mais energia em seus escritórios e fábricas, comprando mais eletrodomésticos e automóveis. Tudo isso contribui para uma grande melhoria de sua qualidade de vida, aspiração legítima que o resto do mundo deve compreender e apoiar”, afirma o relatório. “As necessidades energéticas mundiais em 2030 serão 50% maiores que as de hoje.

A China e a índia, juntas, representariam 45% dessa nova demanda. Esse padrão de consumo provocará um crescimento contínuo das emissões energéticas de dióxido de carbono e um aumento da dependência, por parte dos países consumidores, das importações de petróleo e gás, procedentes em sua maior parte do Oriente Médio e da Federação Russa. Ambas as circunstâncias intensificariam os temores relacionados às mudanças climáticas e à segurança do fornecimento de energia” Nesse cenário, “a procura de petróleo alcançará 116 milhões de barris por dia em 2030, o que supõe um aumento de 32 milhões de barris diários (37%) em relação a 2006” (veja mapa que segue).

O consumo de carvão cresceria 73% e sua participação na matriz energética mundial passaria de 25% para 28%. O consumo de eletricidade dobraria e sua fatia na matriz subiria de 17% para 22%. A China é um exemplo das dificuldades da situação: sua economia cresceu a uma média de 9% ao ano nas últimas três dé¬cadas e sua matriz de energia é composta de 70% de carvão mineral e mais 20% de petróleo. Com a taxa de crescimento econômico se mantendo, é difícil imaginar como o país conseguirá reduzir o uso das fontes de energia que estão ao seu alcance em um processo de substituição que vá durar várias décadas.

A tonelada equivalente de petróleo (tep) é uma unidade de energia definida como o calor liberado na combustão de uma tonelada de petróleo cru.

A tonelada equivalente de petróleo (tep) é uma unidade de energia definida como o calor liberado na combustão de uma tonelada de petróleo cru. “O planeta não sofre uma escassez de recursos naturais nem de dinheiro, só de tempo”, sintetiza o relatório da AIE. A agência propõe, então, um cenário alternativo com base em medidas para manter o desenvolvimento, mas frear o aquecimento global. As medidas são acelerar a adoção de políticas e tecnologias para reduzir o consumo e armazenar eletricidade, além de ampliar o uso de energia nuclear e das energias alternativas. A AIE destaca como “uma das alternativas mais promissoras” acelerar o uso do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), pelo qual os projetos que retiram carbono do meio ambiente resultam em dinheiro vivo. Este é pago pelos interessados em reduzir suas emissões e alcançar as metas do Protocolo de Kyoto, que compram créditos de carbono dos países ainda sem metas. Talvez isso possa ajudar os chineses.

Fonte: Guia do Estudante. Revista Atualidades Vestibular, 2009, p. 38 – 53. Com adaptações.

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