América Latina – velhos e novos paradigmas, 2010

ESQUERDA, VOLVER! (MAS NEM TANTO)



Com vários governantes da esquerda, a América Latina tem novo perfil político: há os que apóiam os EUA, os que são contra e os que fazem o meio campo, como o Brasil.

Reuniões de cúpula latino-americanas, assim como as da Organização dos Estados Americanos – OEA servem para considerar problemas de caráter urgente e de interesse comum para os Estados americanos e para servir de Órgão de Consulta. Go­vernantes dos países da região também realizam os encontros do Mercado Comum do Sul (Mercosul), da União de Nações Sul-Ame­ricanas (Unasul), do Grupo do Rio e da Cú­pula América Latina-Caribe (Cale). Como em todas as reuniões desse tipo, muitas decisões não passaram de declarações de intenção. Mas os encontros trazem algumas situações novas.

A mudança mais significativa foi na pró­pria composição dos encontros. Na Cale, participaram todos os países do continen­te americano, exceto os Estados Unidos (EUA) e o Canadá. Até Cuba, expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) no início dos anos 1960, fez na Cale sua reestreia em reuniões desse tipo. Outra novidade foi o caráter de deliberações que vão contra os interesses dos EUA, país que historicamente exerce domínio sobre a América Latina. Foi o caso da declaração unânime pelo fim do bloqueio econômico a Cuba, que vigora desde 1962. Tais novi­dades refletem as mudanças no perfil po­lítico do subcontinente latino-americano, ocorridas nos últimos dez anos.

“Onda vermelha”

A América Latina vive o fenômeno co­nhecido por “onda vermelha”, com a iné­dita subida ao poder de vários governantes de esquerda. O marco foi a eleição de Hugo Chávez para a Presidência da Venezuela, em 1998. A escalada da esquerda é vista como reação ao fracasso de sucessivos go­vernos conservadores, apoiados pelos EUA, em solucionar os graves problemas sociais e econômicos da América Latina.

Dos líderes de esquerda, Chávez é o que assume o papel mais ostensivo de confron­tação como que ele chama de “imperialis­mo norte-americano”. Tornou-se, assim, inspiração para outros presidentes, como Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, do Equador, e Daniel Ortega, da Nicarágua. O venezuelano estabeleceu também um acordo estreito com o regime comunista de Cuba. Chávez influencia até mesmo governantes de partidos mais tradicionais, como os peronistas Néstor Kirchner (que ocupou a Presidência da Argentina entre 2003 e 2007) e a atual presidente, Cristina Kirchner, que também assumiram posições mais à esquerda, confrontando os setores empresariais do país.

Em contraposição, os EUA têm como principais aliados na América Latina os presidentes Álvaro Uribe (final de mandato em 2010, substituído por Juan Manuel Santos em agosto), da Colômbia, e Felipe Calderón, do México, ambos de partido conservador. Mas procuram es­treitar laços também com os governantes de esquerda que se mostram dispostos a aplicar políticas tradicionalmente ligadas à direita, que pregam a não intervenção do Estado na economia. É o caso de Luiz Inácio Lula da Silva.

Uruguai

Segundo dados oficiais, durante os quase cinco anos do governo de Tabaré Vázquez no Uruguai, que assumiu a Presidência em 2005, o Produto Interno Bruto (PIB) do Uruguai cresceu mais de 30%, a pobreza passou de 31,9% para cerca de 20%, e o desemprego caiu de 13,1% para 7%. A expansão econômica incluiu crescimento recorde das exportações agropecuárias e o incremento, inédito, da produção industrial.

O ex-guerrilheiro José Mujica assumiu em 01/03/2010 a Presidência do Uruguai com a promessa de manter uma macroeconomia “ortodoxa e prolífica” e amplas políticas sociais, naquele que será o segundo governo consecutivo da esquerda no país.

José Mujica, presidente do Uruguai. Fonte: 1.bp.blogspot.com/…/s1600/p_30_11_2009.jpg

Considerado um político mais radical que o presidente Tabaré Vázquez, que deixou o cargo, Mujica moderou o discurso durante a campanha, na qual disse se sentir mais próximo a governos como os do Brasil e do Chile do que do modelo socialista da Venezuela, e se comprometeu a continuar as políticas econômicas que permitiram ao Uruguai evitar a crise econômica mundial. O novo presidente estará acompanhado em seu governo pelo vice-presidente Danilo Astori, artífice da rigorosa política econômica de Vázquez, que supervisionará de seu posto a economia.

Chile

No Chile, Michele Bachelet apoiou o candidato Eduardo Frei do partido Concertación que perdeu as eleições para o candidato de direita Sebastian Piñera. A era Piñera começou no dia 11/03/2010, numa solenidade de posse que será para sempre lembrada, já que se realizou em meio a um alerta de tsunami, após fortes réplicas que sacudiram o Congresso de Valparaíso poucos minutos antes da cerimônia.

O jornal chileno Ansa mencionou ainda a intenção de Lula e Piñera de estreitar as relações políticas, econômicas, culturais e de “amizade sem limites” entre Brasil e Chile.

Ao tomar posse, o novo presidente chileno colocará fim a 20 anos de governos consecutivos da Concertación, que está no poder desde que o ditador Augusto Pinochet (1973-1990) saiu de cena. Antes da atual mandatária, Michelle Bachelet, o país foi presidido por Patrício Aylwin, pelo próprio Eduardo Frei e por Ricardo Lagos, todos da coalizão de centro-esquerda.

Chávez e Morales

Um dos pontos em comum entre os go­vernos de Chávez, Morales e Correa é o fato de todos contestarem a política neoliberal e tentarem retomar, para o Estado, o con­trole de empresas estratégicas nas áreas de energia e telefonia, entre outros. Várias companhias privatizadas por governos anteriores foram reestatizadas – motivo pelo qual esses governos têm forte opo­sição interna, principalmente de setores empresariais, o que causa conflitos.

Hugo Chávez – Presidente venezuelano.

O presidente Hugo Chávez afirma con­duzir a “Revolução Bolivariana”, inspirada no herói da independência Simón Bolivar, com o objetivo de implantar o “socialismo do século XXI”. Além da nacionalização de setores estratégicos, como telecomunica­ções e energia, a política de Chávez passa pelo aumento do controle estatal sobre a economia, pela ampliação dos programas sociais e pela reforma agrária.

Mais recentemente, a economia da Venezuela foi seriamente atingida pela queda dos preços do petróleo, matéria-prima responsável por mais de 90% das exportações do país. A diminuição de receitas afeta os programas sociais do govrerno e atinge as relações externas, que se apoiam na oferta de petróleo barato a países aliados.

Os venezuelanos convivem ainda com um racionamento de água e de uso de energia elétrica em determinadas regiões do país, que prejudica também o território brasileiro em Roraima (estado em que parte da energia elétricavem do país vizinho).

No fim de janeiro, Chávez retirou do ar a tv a cabo RCTV por criticar o governo. O vice presidente Ramón Carrizález renunciou no mesmo mês.

Na Bolívia, Evo Morales nacionalizou a exploração do gás e do petróleo. Por trás desse ato se encontra a pressão de um grande movimento popular, que reúne sindicatos, associações de bairro, coralei­ros (plantadores de coca) e estudantes. A mobilização, que teve início em 2003, foi responsável pela queda de dois presiden­tes e pela eleição do próprio Morales.

Na reeleição de 2009, Morales foi eleito em primeiro turno com 64,2% dos votos e seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS) manteve a maioria na Câmara dos Deputados e Senado. Essa maioria deve diminuir as tensões nos quatro estados mais ricos do país – Santa Cruz, Tarija, Pando e Beni -, que formam a região da Meia Lua.

Estados da Meia Lua em laranja. Fonte: Educacional.

O governo Morales é marcado pela estatização do gás e do petróleo, decidida em 2006. A partir de então as relações com os EUA são conflituosas. A Bolívia expulsou o embaixador norte-americano em 2008 por acusação deste estar conspirando contra o governo. Em retaliação, o governo Obama iniciou o processo para excluir a Bolívia de um programa que isenta de tarifas as exportações vindas de países andinos que em julho de 2009, veio a confimação da eliminação da Bolívia desse programa.

Cobrança dos vizinhos

Em fins de 2008, o Equador acusou a em­presa brasileira Odebrecht de não realizar satisfatoriamente a construção de uma usina hidrelétrica, obra financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estatal também brasileira. Rafael Correa remeteu o caso a uma arbi­tragem internacional, que deve avaliar se o governo equatoriano tem ou não razão e se deve ou não pagar o financiamento da obra Em represália, o governo Lula chamou de volta, para consultas, seu embaixador em Quito. Na linguagem da diplomacia, essa atitude equivale a um protesto. O governo equatoriano pagou regularmente a parcela do financiamento que venceu no período. Assim, em janeiro de 2009, o Brasil anunciou o retorno do embaixador a Quito.

O Equador não foi o único país a cobrar do Brasil a solução de questões herdadas de governos conservadores passados. O Paraguai, que elegeu em 2008 o mais novo integrante do grupo de governantes latino­americanos de esquerda, Fernando Lugo, tem outra pendência com o Brasil: a rene­gociação dos contratos de venda da ener­gia elétrica gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu – empreendimento binacional erguido na fronteira entre os dois países. O Brasil compra a energia por valores inferiores aos de mercado, e os paraguaios querem rever os preços.

Em julho de 2009, o site http://opiniaoenoticia.com.br/internacional/america-latina/brasil-e-paraguai-entram-em-acordo-sobre-itaipu/ divulgou que o Governo brasileiro cedeu e vai permitir que o Paraguai venda livremente sua cota de energia da usina de Itaipu em território brasileiro. Com a mudança, os paraguaios não serão obrigados a vender seu excedente somente para a Eletrobrás.

O recuo brasileiro fortalece o presidente paraguaio Fernando Lugo, que vem tendo problemas com as revelações de que teve filhos quando ainda era bispo. O governo brasileiro entende que Lugo não chegaria ao fim do seu mandato sem o apoio do Brasil na questão energética.

A mudança será implementada de forma gradual, com previsão para ser concluída em 2023, quando o tratado entre os dois países será renegociado.

Uribe e Lula

O grande contraponto latino-americano aos governantes esquerdistas na América Latina é o presidente colombiano Álvaro Uribe. Principal aliado do governo norte-americano na região, Uribe mantém alto seu índice interno de popularidade. Mas o narcotráfico segue forte, e o país sofre os efeitos de décadas do conflito entre o governo, a guerrilha das For­ças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e os paramilitares de direita. Para conter o grupo paramilitar, o governo Uribe implantou 7 bases norte-americanas em seu território, coisa que desagrada os países da América do Sul.

Recentemente nas eleições para a presidência da Colômbia venceu o candidato indicado pelo atual presidente, Alvaro Uribe, que tem aprovação de 70% da população do país andino, principalmente devido ao combate às Farc. O candidato vencedor, Juan Manuel Santos, foi Ministro da Defesa do governo uribista e defende a linha de não haver possibilidade de diálogo com as Farc, enquanto a guerrilha continuar com as práticas de sequestros e narcotráfico.

O descontentamento maior da aproximação colombiana com os EUA vem da Venezuela. O aumento do atrito nas relações internacionais fez a Colômbia na reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos), em julho de 2010 acusar a Venezuela de proteger guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e do Exército de Libertação Nacional (ELN) vivem há anos em acampamentos em território venezuelano (Zulia). Com isso Hugo Chávez anunciou o rompimento das relações diplomáticas com o território colombiano (as relações binacionais renderam US$ 7 bilhões em 2008 – estima-se com o rompimento que cairá para US$ 1,5 bilhão em 2010). O Brasil lamentou tal rompimento e se pôs a disposição para uma saída diplomática entre os dois países.

São 3 bases da USAF: Apiay, Malambo e Palanquero, duas do US Army: Tolemaida e Larandia, e duas da US Navy: Cartagena e Málaga. A base aérea de Palanquero operará os gigantescos aviões cargueiros C-17. Fonte: www.estadao.com.br/fotos/mapa_bases1.jpg

O presidente Lula é considerado o me­lhor exemplo de governante de esquerda que aplica políticas distantes das tradi­cionais bandeiras socialistas. A política monetária seguida por seu governo, por exemplo, privilegia a manutenção de altas taxas de juro, medida aplaudida pelos mercados financeiros. Na política exter­na, há grande colaboração entre Brasil e EUA. Contraponto moderado à atuação radical de Hugo Chávez, o Brasil ganha também peso político no subcontinente. O país chefia as tropas da missão de paz da ONU que está no Haiti desde 2004, assumindo um papel que os EUA teriam dificuldade em desempenhar, após os problemas enfrentados nas guerras do Iraque e do Afeganistão.

Lula e Kirchner

Na Argentina, o governo da presidente Cristina Kirchner, que deu continuidade ao mandato do marido, Néstor Kirchner, é marcado por confrontos com setores empresariais. Logo no começo de sua gestão, em 2008, ela aumentou os impostos sobre a exportação de grãos, o que colocou os grandes produtores rurais em pé de guerra. Em 2009, o governo tomou várias medidas contra o jornal Clarín, o maior grupo privado de comunicação do país. O diário dera grande espaço às denúncias de enriquecimento ilícito do casal Kirchner.

No início de 2010, houve nova crise, quando Cristina pediu a renúncia do presidente do banco central, Martín Redrado, que se recusava a alocar 6,5 bilhões de dólares das reservas do país a um fundo, criado pelo governo, destinado ao pagamento da dívida externa argentina. Redrado não quis sair e foi demitido por decreto presidencial, mas recorreu à Justiça e renunciou ao cargo mais de 20 dias depois. O caso acirrou as disputas entre governo e oposição.

Integração

A integração regional na América Latina só será possível se houver uma parceria entre os governos, a sociedades, as entidades civis organizadas e os empresários, a conclusão é de uma pesquisa preliminar organizada pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) em março de 2010.

“A integração regional não é tema só de Estado ou governo. Mas da sociedade, das universidades, dos empresários e das organizações não governamentais”, afirmou o coordenador da pesquisa, Felippe Ramos, professor de Relações Internacionais do Departamento de Sociologia da UFBA.

Por fim, os pesquisadores afirmam que a diferença na qualidade das rodovias surpreende negativamente e indica a inexistência de integração e harmonia na região. De acordo com as observações dos dois meses de viagens, as estradas têm qualidade na Argentina, no Chile, Uruguai, Equador, na Colômbia e Venezuela. Mas apresentam graves problemas no Paraguai e Peru, além de determinadas áreas do Brasil.

Fonte: Adaptado do texto do Guia do Estudante, 2009, p. 78; 2010, p. 60 e 61, e atualizado através da Folha e Estadão Online, assim como site da OEA em http://www.oas.org/pt/sobre/reunioes_relacoes_exteriores.asp.

4 thoughts on “América Latina – velhos e novos paradigmas, 2010”

  1. Professor, poderia me dar uma explicação quanto à Privatização da América do Sul? É benéfica? Quais as consequências e o que levou a isto? Andei pesquisando, mas não consegui encontrar uma explicação adequada ainda. Muito obrigada e está de parabéns pelo site, como sempre! 😉

    1. Nath,
      Acho que você quer saber sobre a privatização de empresas em países da América do Sul (porque a América em si não foi privatizada).
      Sobre benefícios e malefícios, tudo isso depende de cada caso e de que setor se está privatizando. Apenas para citar alguns casos dentro desse assunto complexo (e de grandes divergências) aqui na América Latina, não se pode ser radical como foi a Venezuela e a Bolívia que nacionalizaram bancos e empresas de gás e petróleo desobedecendo contratos assinados anteriormente (era como se eles tivessem desprivatizado as empresas) nem se pode sair privatizando todos os setores, pois incorreríamos no mesmo processo mexicando que quebrou em 1994.
      No caso do Brasil algumas privatizações deram certo (telefonia é o caso mais emblemático), mas outras ainda são questionadas pelo valor barato que foram comercializadas (Vale é o caso mais emblemático – rodovias por causa do preço do pedágio).
      Portanto, nesse processo você tem que ler um pouco sobre privatizações e neoliberalismo para um maior entendimento sobre o assunto.

      Espero ter ajudado e eu é que agradeço a visita e o comentário!

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