Por Marcos Bau
Parte do que é hoje o país Ucrânia, principalmente a península da Crimeia, foi conquistada pelo Império Russo no século XVIII, em uma guerra contra o Império Otomano. O território ucraniano, no século XIX, se dividiu entre o Império Austro-Húngaro e o Império Russo. A maior parte do território reunia a região centro-oriental do atual território ucraniano e pertencia ao Império Russo.
Delineamento em vermelho dos limites do Império Austro-Húngaro, que foi desmembrado pelo Tratado de Versalhes em 1919. Surgiram os países indicados e a parte do território ucraniano indicada é a região da Galícia. Fonte do mapa: Art Nouveau
Após a Revolução Bolchevique de 1917, territórios da parte noroeste da Ucrânia declararam independência e a parte sudeste ficou incorporada à República Socialista Soviética. O ideário de Lênin em instaurar regimes socialistas em toda a Europa se inicia com uma guerra contra a Polônia.
Mapa de países surgidos no pós I Guerra pelo Tratado de Versalhes. O território ucraniano envolvia terras da Polônia e a maior parte da URSS. Fonte do mapa: ARRUDA, José Jobson de A. PILETTI, Nelson. Toda a história. São Paulo: Ática, 2007, p. 469.
O ideário leninista contribuía para uma atmosfera de guerra. No conflito russo-polonês, a Ucrânia lutou ao lado da Polônia contra a Rússia, sob a premissa do reconhecimento por parte da Polônia de terras na fronteira com a Ucrânia, uma região intitulada Galícia*. O território da Galícia (oeste da Ucrânia e sul da Polônia) já tinha sido objeto de guerra entre a Ucrânia e a Polônia, em 1918, e pelo citado reconhecimento da fronteira, a Ucrânia assina uma aliança com a Polônia, na qual os poloneses deram auxílio militar ao exército ucraniano em outro conflito, dessa vez na guerra russo-ucraniana, quando as tropas do Exército Vermelho invadiram Kiev em 1920.
*A Galícia viraria território incorporado à Ucrânia no pós Segunda Guerra Mundial.
Ao fim da guerra, os poloneses conseguem a recuperação de territórios perdidos no início da guerra, além de também conseguir a independência, mas não conseguiram expulsar os bolcheviques do território ucraniano. A Ucrânia virou uma República Socialista Soviética. Na década de 1930, Stalin impôs a coletivização de terras causando milhões de mortos de fome no episódio que ficou conhecido como genocídio ucraniano.
Durante a Segunda Guerra, a Ucrânia foi ocupada pelos nazistas alemães, que mantiveram as fazendas coletivas e tocaram o programa de extermínio dos judeus. A população ucraniana, que não estava contente com as atrocidades anteriores de Stalin, também se opõe aos nazistas durante a ocupação alemã na Segunda Guerra. Mesmo assim, em 1944, Stalin deportou mais de 300 mil tártaros da península da Crimeia para a Sibéria e Ásia Central, sob o pretexto que eles eram colaboracionistas dos nazistas chefiados por Hitler. Hoje a população da Crimeia possui cerca de 15% de tártaros que voltaram anos depois da deposição forçada.
O pós Segunda Guerra faz crescer o território ucraniano a oeste, já que a URSS anexa o Leste Europeu na Conferência de Yalta e a Ucrânia fazia parte dos territórios anexados que compunham a apelidada “Cortina de Ferro”. Em 1954, Nikita Krushev presenteia a península da Crimeia ao governo ucraniano como comemoração do 30º aniversário da união entre URSS e Ucrânia.
Fonte: Wikimedia Commons.
Com o colapso do socialismo soviético, a Ucrânia torna-se independente e a Criméia uma república autônoma da Ucrânia.
Da Revolução Laranja aos dias de hoje
Essa da foto é a primeira ministra da Ucrânia, Yulia Timochenko, em sua primeira aparição, em fevereiro de 2014, depois de ter saído da prisão, discursado na Praça da Independência e anunciado sua intenção em concorrer às eleições de maio de 2014. Yulia estava presa há 2,5 anos, sob a alegação de abuso de poder pelo governo de Viktor Yanukovych, que acabou sendo deposto em fevereiro de 2014 pelos protestos iniciados em novembro de 2013.
Praça da Independência em fevereiro de 2014, depois dos protestos que causaram mais de 100 mortos. Mais fotos em Business Insider
Yanukovych foi o pivô da fraude nas eleições de 2004, que resultou na chamada Revolução Laranja e deu a vitória ao candidato opositor Yushchenko. Da Revolução Laranja até 2010, Yulia Timochenko foi primeira-ministra até ser presa pelo presidente eleito Viktor Yanukovych, que tinha concorrido ao pleito de 2010 com a própria Yulia, mas, quando venceu as eleições logo a prendeu.
Yushchenko, o opositor que governou no pós Revolução Laranja, sucumbiu após acusações de corrupção e de direcionar o governo para a Rússia, a principal causa dos protestos atuais.
Voltando à atualidade, Turtchinov, que foi designado pelo Parlamento como presidente interino é o braço direito de Yulia e pró União Europeia.
Mais mapas em The New York Times
E quem é Yulia Timochenko mesmo? A maior líder opositora do governo deposto e aliada do governo interino, ex-diretora de uma companhia de gás que, nos anos 1990, fez fortuna sob acusações e escândalos de corrupção quando foi presidente do orçamento parlamentar e, por fim, desafeto de alguns manifestantes mais curiosos e que sabem do seu passado.
A Ucrânia possui 45 milhões de habitantes e cerca de 78% dessa população é de ucranianos étnicos, 17% de russos e os 5% restantes de localidades do entorno europeu. Na península da Criméia, 60% da população de 2 milhões de habitantes são de origem russa. A Ucrânia possui o solo mais fértil do mundo (tchernozion) e o país é grande exportador agrícola. A energia é baseada na produção nuclear e na importação do petróleo de do gás da Rússia. Os dutos de petróleo e gás da Rússia atravessam todo o território ucraniano para abastecer os países que estão situados mais a oeste no continente europeu.
Todos esses ingredientes causaram a maior tensão geopolítica desde a Guerra Fria. Parte da população é pró União Europeia e parte da população é pró Rússia, principalmente na Criméia, como mostrou o mapa anterior. Difícil é saber até que ponto os lados estão dispostos a ceder ou a ir em frente pelo povo ucraniano.
A Ucrânia possui o segundo maior exército da Europa, só perdendo para a própria Rússia.
Graaande Bau! Sempre muito esclarecedor passar por aqui! Saudades!