Revolução Russa (1917), Leninismo e Stalinismo


Materialismo Histórico Marxista

O materialismo histórico, teoria difundida por Karl Marx e Friedrich Engels, explicava-se pela afirmação de que a evolução histórica desde as sociedades mais remotas se dava a partir do confronto entre classes sociais decorrentes da exploração do homem pelo homem. Uma sucessão de sistemas sociais explicado desde o escravismo antigo dando lugar ao feudalismo medieval, com os servos oprimidos pelos seus senhores, e este sistema dando lugar ao capitalismo, que tem como servos os operários sendo oprimidos pelos patrões donos dos meios de produção.

Capa do Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels em 1848. Clique na imagem e baixe o manifesto pelo 4shared.

De que forma o materialismo histórico se explica?

Pela lógica marxista, no final da Idade Média, quando houve o desenvolvimento do comércio, as relações servis começaram a se mostrar um entrave ao desenvolvimento das forças produtivas, provocando assim uma implosão dentro desse sistema e originando um novo: o capitalismo. Compreende-se, então, que o capitalismo nasceu a partir das contradições do sistema feudal, e que a burguesia (classe dirigente), ao criar a sua oposição, o operariado, engendrou também o seu futuro extermínio, cavando a sua própria cova, e como os sistemas anteriores, o capitalismo estava destinado a desaparecer para dar lugar a um modo superior de organização da sociedade. O socialismo, no qual, para os marxistas sempre vigorou que o futuro pertencia a esse sistema, pois o socialismo não era apenas um ideal, mas uma necessidade histórica.

Esse pensamento materialista histórico considerado como ferramenta para desvendar as leis da história, influenciou-se pela corrente de pensamento positivista* da época e fora aplicado tanto pelos pensadores liberais, que implantaram a social-democracia no Norte da Europa, quanto pelos pensadores corporativistas que ajudaram a desenvolver governos autoritários de Portugal, Espanha e Itália.

*O Positivismo foi criado pelo filósofo francês e criador da sociologia Auguste Comte (1798-1857) e defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. Assim sendo, desconsideram-se todas as outras formas do conhecimento humano que não possam ser comprovadas cientificamente. Tudo aquilo que não puder ser provado pela ciência é considerado como pertencente ao domínio teológico-metafísico caracterizado por crendices e vãs superstições.

O Estado Totalitário

A primeira tentativa de um governo socialista foi na Comuna de Paris (1871), provocada pelo descontentamento da população de Paris com os monarquistas franceses que – durante a Guerra Franco-Prussiana (1870/71) – defendiam a rendição ante a Prússia (Alemanha). Os manifestantes heterogêneos de correntes de esquerda (marxistas eram minoria) tomaram o poder de 26 de março a 28 de maio de 1871, enfrentando não só o invasor alemão como também tropas francesas, pois a Comuna era um movimento de revolta ante o armistício (tratado de fim da guerra) assinado pelo governo nacional (transferido para Versalhes) após a derrota na Guerra Franco-Prussiana.

A Comuna de Paris (1871), mostrada na figura foi o primeiro movimento em que os trabalhadores ocuparam diretamente o poder político. Considera-se que a comuna abriu as portas para o século XX, o qual foi caracterizado por Eric Hobsbawn, em ‘A Era dos Extremos’, como o da luta entre o capitalismo e o socialismo. Fonte: http://blogdojoao.blog.lemonde.fr/2005/08/10/2005_08_comuna_de_paris/

A Comuna de Paris foi Pautada na Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional – 1864/76)*, mas o socialismo só conseguiu estabelecer-se após a vitória da Revolução Bolchevique em 1917.

*Internacional tinha a iniciativa dos poucos que naquela época compreendiam a verdadeira natureza da questão social e a necessidade de subtrair os trabalhadores à direção dos partidos burgueses, começou uma era nova. Os trabalhadores, que tinham sido sempre força bruta seguindo os outros, bem ou mal intencionados, surgiam como fator principal da história humana e, ao lutar pela própria emancipação, lutavam pelo progresso humano, pela fundação de uma civilização superior. A Internacional Socialista (Segunda Internacional – 1889) tinha grande maioria marxista e foi o leito dos grandes partido social-democratas da Alemanha, Austria, França, Grã-Bretanha e Rússia que fincaram o pensamento marxista na vida política e parlamentar da Europa (ideias da Segunda Internacional serão tratadas adiante).

No início do século XX, no governo absolutista do czar Nicolau II, 80% da economia russa era dependente da agricultura com trabalhadores rurais vivendo na miséria, além de haver um descontentamento também dos trabalhadores urbanos da fraca indústria. Em 1905, o czar ordenou o fuzilamento de milhares de manifestantes (inclusive marinheiros do encouraçado Potenkin).

Mapa do Império Russo e seus territórios de influência. Fonte: Wikipédia.

Apesar dos problemas internos junto à miséria e fome da população, pedidos de democracia e fim da monarquia czarista e melhores salários associados às greves, o czar Nicolau II mergulha a Rússia na Primeira Guerra. Em 1917 o czar foi afastado e assumiu um governo provisório (menchevique – opositores dos bolcheviques) que nada mudou em relação ao anterior.

O Socialismo em Expansão

Começava então a formação dos sovietes (organização de trabalhadores russos) sob a liderança de Lenin e Trotsky. Nesse contexto, os bolcheviques organizaram uma nova revolução, que ocorreu em outubro de 1917, após a derrubada do frágil governo provisório. Prometendo paz, terra, pão, liberdade e trabalho, Lenin (governou de 1917/24) assumiu o governo da Rússia e implantou o socialismo. As terras foram redistribuídas para os trabalhadores do campo, os bancos foram nacionalizados e as fábricas passaram para as mãos dos trabalhadores. Lenin também retirou seu país da Primeira Guerra Mundial no ano de 1918. Foi instalado o partido único: o PC (Partido Comunista), a oposição foi proibida e, – mesmo no interior do Partido Comunista – tornou-se ilegal formar facções.

A Primeira Guerra Mundial (1914/18) provocou a divisão do movimento socialista internacional fazendo com que os grandes partidos social-democratas, durante a guerra, colaborassem com os governos nacionais. Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht (esses dois últimos fundadores do Partido Comunista Alemão) romperam com a Segunda Internacional (1889/1919) acusando os partidos terem sido domesticados pela aristocracia operária social-democrata. Esse alinhamento da social-democracia com os governos nacionais em guerra exigia a construção de novos partidos revolucionários e de uma nova internacional. Daí surge a ideia de reunir os socialistas que permaneciam fiéis à revolução internacional. Essa corrente denominou-se comunista, na qual a partir desse momento significava os revolucionários marxistas que se separavam dos social-democratas reformistas. Portanto, a Segunda Internacional (1889), da qual Engels foi um dos fundadores, terminou por apoiar os governos dos países imperialistas da Europa votando os créditos de guerra (Primeira Guerra Mundial), e consequentemente apoiando a matança dos trabalhadores de cada país por seus irmãos de classe.

A vitória da Revolução Russa abriu caminho para a fundação da Internacional Comunista ou Komintern (Terceira Internacional), que nasceu em Moscou, 1919 tornando o marxismo, marxismo-leninismo instituindo a “ditadura do proletariado”.

Líder soviético Vladimir Lenin na Praça Vermelha. Fonte: http://www.guardian.co.uk/

Lenin, ao ter escrito um ensaio sobre a interpretação da doutrina de Marx e Engels, explicava a transformação do Estado na transição do capitalismo para o socialismo, e deste para o comunismo, isto é, definia o Estado como uma “máquina especial para a repressão” de uma classe social pela outra e profetizava a extinção gradual dessa máquina de repressão para se chegar ao estágio maior que era o comunismo.

A teoria não respondeu à prática, pois os tempos difíceis de crise que acompanhou a mudança estatal para o socialismo leninista, junto à fome e guerra civil serviam para justificar o regime ditatorial que se instaurou na nova doutrina política que justificava o monopólio das instituições de Estado pelo Partido Comunista, doutrina esta definida como “ditadura do proletariado”, uma novidade entre os marxistas que, inclusive, seria instalada em outros países.

A Terceira Internacional ou Komintern (1919), formada pelo Partido Bolchevique após a Revolução Russa, posteriormente à vitória de Stalin e de sua política de socialismo em um só país, se transforma em instrumento de política externa da União Soviética termina por entregar o proletariado alemão ao fascismo, ao caracterizar a socialdemocracia como o principal inimigo a ser combatido (social fascismo), deixando espaço livre para que o fascismo se fortalecesse no país.

Funeral de Vladimir Lenin em 23.01.1924. Praça Vermelha, Moscou. Fonte: http://visualrian.com/images/item/349524

Stalin (governou de 1924/53) assume após a morte de Lenin e torna permanentes as medidas de repressão adotadas no governo anterior, implantando o terror como método de dizimação da oposição comunista (entre 1928 e 1933 milhares de camponeses foram mortos durante a coletivização forçada das terras). O Estado stalinista mostrava que enquanto o poder público exercia funções simbólicas era engolido para dentro do Partido, pois este significava a autoridade real.

Poster de Josef Stalin na ocasião da Segunda Guerra Mundial. Fonte: http://rexcurry.net/ussr-socialist-swastika-cccp-sssr.html No cartaz, os dizeres: “Avante, vamos destruir os invasores alemães e expulsá-los de nossa pátria.”

A essa altura, Trotsky e seus seguidores enxergavam na revolução proletária européia a única oportunidade para a consolidação do socialismo na União Soviética. A ideia de Stalin do “socialismo num só país” destinava-se ao combate da dissidência trotskista que,  quando derrotada, tornou o Komintern completamente submisso à vontade de Stalin. No stalinismo, o Komintern foi desfigurado até se tornar um instrumento dócil da geopolítica de Moscou, e os partidos comunistas, no mundo inteiro, transfiguraram-se em tentáculos da política externa soviética. Com isso, a Internacional Comunista abandonou sua ideia de revolução internacional, pois seus partidos estavam comandados pelo Estado soviético.

Para entender melhor o controle stalinista, leia esse trecho sobre o que aconteceu na Ucrânia entre o inverno de 1932 e 1933 e assista ao vídeo seguinte, pois os ucranianos protagonizaram, a contragosto, algumas das páginas mais tristes e menos conhecidas da história soviética. Foram “páginas em branco”, porque omitidas durante décadas pelo regime capitaneado, à época, por Stalin.
A Ucrânia era considerada, até então, o “celeiro da Europa”, graças à fertilidade de seu solo negro (chernozem), explorado pela maioria de seus cidadãos, historicamente agricultores.
Em 1929, com plenos poderes ditatoriais, Stalin forçou a implantação de uma indústria estatal e a colectivização das actividades agricolas, através de kolkhozes (cooperativas agrícolas) em seu vasto império. Naturalmente, essa política econômica encontraria sérios obstáculos entre os agricultores ucranianos mais prósperos e favoráveis à economia de mercado (chamados pejorativamente de kurkuls).
A reação de Stalin foi dar uma “lição aos nacionalistas renitentes”. Primeiramente, acabou com os kurkuls. Muitos proprietários abonados foram assassinados e os demais (2.800.000) foram deportados para o Kasaquistão e a Sibéria. O segundo passo foi a nacionalização das pequenas propriedades privadas, obrigando a filiação de seus donos às kolkhozes. Finalmente, decretou o confisco dos alimentos. Pela primeira vez no Estado moderno alguém utilizaria a fome como uma arma de destruição colectiva (fonte do texto sobre a Grande Fome da Ucrânia retirado de http://tinyurl.com/25sk7da).

Video sobre a Grande Fome da Ucrânia

Voltando a Trotsky, este rompeu com a Terceira Internacional, em 1938, por entender que os partidos comunistas haviam se tornado organizações burocráticas que trabalhavam unicamente para defender os interesses da casta privilegiada de Moscou e não mais os do proletariado mundial. Em face do que considerava grandes traições dos Partidos Comunistas na década de 1930 (principalmente na França e Espanha, além da Alemanha), Leon Trotsky funda a Quarta Internacional em alternativa a Terceira Internacional stalinista. Importante informar que, desde 1929, Trotsky tinha sido expulso da União Soviética e, em 1940 foi morto no México com uma machadada na cabeça por um agente sob disfarce, a mando de Stalin.

A convicção de Lenin e Trotsky era que a revolução após a tomada da Rússia iria se espraiar pela Europa, pois as esperanças revolucionárias estavam concentradas na Europa. O socialismo durante a Guerra Fria (1947/1991) se expandiu no máximo para as sociedades agrárias do Oriente e antigas colônias africanas e asiáticas. Na Europa industrializada, a força comunista cada vez mais enfraquecia, pois a classe operária em massa se voltava para os partidos social-democratas da Segunda Internacional.

Referências:

MAGNOLI, Demétrio. O mundo Contemporâneo. São Paulo: Atual, 2008, cap. 10.

Algumas datas foram certificada em páginas do Wikipédia.

34 thoughts on “Revolução Russa (1917), Leninismo e Stalinismo”

  1. Antes de perguntar qualquer coisa…Esse blog é simplesmente fantástico!

    Mas professor, eu não entendi direito as diferenças de pensamento socialista/comunista de Lênin, Stálin e Trotsky. Tem como você me explicar?

    1. Isadora,
      Todos três se intitulavam marxistas, pois em algum momento da vida leram o teórico socialista.
      Lenin foi líder do partido comunista soviético, Stalin secretário-geral do mesmo partido e Trotsky fundou o Exército Vermelho. Todos participaram ativamente da Revolução Bolchevique em 1917.
      Após a revolução, Lenin como czar adotou o regime totalitário que foi seguido após sua morte por Stalin (com Stalin, o governo apertou mais ainda o cerco do totalitarismo soviético). Trotsky, desde a morte de Lenin, fez oposição a Stalin já que queria que a Revolução Russa se desenvolvesse mundialmente, enquanto Stalin defendia o socialismo mais fechado e unificado à Rússia. As disputas internas fizeram Trotsky ser exilado no México e assassinado a mando de Stalin.

      Espero ter ajudado!

      1. Lenin como czar?!! Realmente é de um rigor todo o texto. O caro amigo devia tentar perceber e questionar a origem das suas fontes, antes de passar informação que pode ser encontrada na wikipedia, ou em qualquer livro de escritores anti-comunistas.
        Como se pode resumir a história da criação de uma nova sociedade, se não consegue ver fora da “box” ?
        Tudo o que escreveu é puro senso comum, manipulado com objectivos ideológicos, e talvez seja mesmo esse o seu papel, branquear todas as conquistas civilizacionais, por parte da classe operária na ex- USSR, muitas delas actuais nos países ocidentais. Tente perceber o crescimento económico de um país que passou do feudalismo, a uma das duas maiores potências mundiais. O papel importantissimo que teve na 2ª guerra mundial, e olhe hoje para essas ex -républicas, e explique-me a alta taxa de pobreza, de prostituição, de imigração, de ecónomia paralela etc etc etc
        É triste que hoje muitos das pessoas com estudos académicos, nem pensem no que é o acesso à educação! Pois enquanto se pagar esse acesso, existiram sempre os ditos “inteligentes” .

        1. Caro cidadão que não se identifica,
          3 coisas:
          Primeiro: A profundidade teórica foi escrita para Ensino Médio e o termo czar foi usado no sentido do poder de líder, mesmo poder de um imperador russo. Fazem-se necessárias algumas explicações mais profundas para seu entendimento.
          Segundo: respeito toda forma de pensamento e discordância e apesar de você ter sido mal-educado em sua abordagem, publiquei seu comentário, mesmo sendo de um esquerdismo barato que não consegue entender que o fato de escrever e se pautar em um escritor, não significa que o escrito conjugue com sua ideologia partidária.
          Terceiro: se o texto aqui não lhe agrada porque acha ruim, pegue sua ideologia comunista e escreva um blog, livro ou o que o valha e conte que sua URSS saiu do feudalismo para um leninismo-stalinismo de “grande” crescimento econômico através da coletivização de terras e mortes de milhões pela fome, execuções e envio dos insurgentes aos gulags siberianos e ucranianos, além da traição e morte aos bolcheviques que lutaram na revolução. Ainda por fim, “seu” grande líder mandou matar o responsável pela formação do exército vermelho que já estava exilado no México.

          Portanto, a potência mundial a que você se refere é aquela da corrida armamentista da guerra fria que na década de 1980, devido ao rombo econômico lançou a perestroika e a glasnost e daí caminhou para a ruína do sistema socialista. É a mesma “potência” que também fracassou no Afeganistão em 1989 e quebrou em 1998 quando declarou moratória de sua dívida e precisou dos bilhões do FMI? Sei que sim e poupe-me novamente desse esquerdismo panfletário se você realmente acredita que a continuidade do socialismo sustentaria as ex-repúblicas melhor do que elas estão hoje.

          O capitalismo norteamericano e desigual difundido no mundo está longe de ser modelo de desenvolvimento social, mas desse socialismo de supostos “acessos” que você defende em sua “box” (ou fora dela), eu quero é distância.

Deixe uma resposta