Quase um ano depois, em agosto de 1942, Stalin recebeu a visita do primeiro-ministro britânico Winston Churchill – seu velho adversário do final dos anos 30, transformado em aliado para derrotar Hitler, o inimigo comum. Durante um jantar, Churchill mencionou a possibilidade de se montar uma liga, que se encarregaria de ordenar o pós-guerra, encabeçada pelas três grandes democracias, entre as quais ele incluía a União Soviética, além dos Estados Unidos e a Grã-Bretanha (WAACK, 2008, p. 270).
Após o ataque japonês a Pearl Harbor em dezembro de 1941, os Estados Unidos foram obrigados a romper a neutralidade que norteava a política externa isolacionista norte-americana do entre guerras. Após o ataque veio o combate no pacífico durante todo o ano de 1942 e no final desse ano o desembarque das tropas no norte da África.
CONFERÊNCIA DE TEERÃ, NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1943
Outras Conferências haviam acontecido até o final de 1943, como a de Moscou e a de Casablanca, com representantes chanceleres dos países e até seus líderes maiores, mas os chamados ‘três grandes’ (EUA, URSS e Grã-Bretanha) só se encontrariam pela primeira vez, através de seus líderes maiores (Roosevelt, Stalin e Churchill), na Conferência de Teerã, iniciada a 28 de novembro de 1943. Teerã foi escolhida como local, pois o Irã, naquele momento, acabava de ser desocupado de tropas britânicas e russas, que tinham invadido o país para evitar um governo pró-Eixo (WAACK, 2008, p. 271). Stalin ainda insistia no tema da frente ocidental, já que, naquele momento, o regime fascista de Mussolini tinha sido destruído e as forças soviéticas empreendiam uma vitoriosa contraofensiva no leste.
Dos americanos, o chefe do Kremlin obteve em Teerã a promessa de que a operação Overlord (Batalha da Normandia), a invasão do continente europeu, aconteceria ainda na primeira metade de 1944. Obteve ainda o reconhecimento da autoridade de Josip Broz Tito na Iugoslávia, o acesso soviético ao Mar Báltico pelo porto de Konigsberg e a absorção dos países bálticos, anexados logo depois do acordo entre Moscou e Berlim, em 1939.
Conversando com Churchill, Stalin queria de alguma forma manter os alemães subjugados por duas décadas ou mais, já que o líder soviético acreditava que a Alemanha conseguiria se reerguer em menos de trinta anos. Quanto às fronteiras da Polônia, Stalin disse que estaria contente com a linha Curzon – estabelecida ao final da Primeira Guerra Mundial, e em torno da qual Stalin havia se acertado com Hitler (acordo Germano-Soviético) -, mas que a Polônia seria compensada com parte do território da Alemanha.
Linha Curzon e os pedaços de território. Na parte rosa, território alemão anexado pela Polônia após a guerra e na parte cinza, território polonês anexado pela URSS em 1945 tomando por base a linha Curzon. Fonte: Wikimédia Commons.
A frente ocidental, que executou a Operação Overlord, só veio em junho de 1944 com o desembarque dos aliados na Normandia. Ficou evidente a linha de Churchill em aguardar o esgotamento das tropas alemãs e soviéticas (MAGNOLI, 2008. p. 84).
As conferências de Yalta e Potsdam reuniram os vencedores da Segunda Guerra Mundial e redefiniram a organização geopolítica do continente europeu.
CONFERÊNCIA DE YALTA, FEVEREIRO DE 1945
O encontro depois de Teerã aconteceu em Yalta, um antigo balneário de verão na península da Criméia – depois “presenteada” por Nikita Krushev à Ucrânia, da qual foi parte até a Rússia anexá-la em 2014* -, recebeu os três grandes em fevereiro de 1945. O que foi, afinal, acertado entre os três grandes? Os países ocidentais concordaram em conceder à União Soviética uma parte substancial da Polônia, deixando a fixação dos limites ocidentais do país (isto é, com a Alemanha) para uma futura conferência de paz e confirmou a anexação dos estados bálticos Estônia, Letônia e Lituânia coincidindo o tamanho do território soviético com o do Império Russo às vésperas da Primeira Guerra. Assim, Stalin reafirmava a vocação imperial da “Grande Rússia”.
*Clique e saiba histórico e questões atuais sobre a Crimeia.
Da esquerda para a direita: Churchill, Roosevelt e Stalin emYalta. Fonte: http://www.historiasdeleste.com/2009/09/yalta-peninsula-de-crimea-i/
Roosevelt e Stalin compartilhavam a ideia de impor duras condições à Alemanha nazista derrotada. Inicialmente, o presidente norte-americano chegou a adotar os postulados do Plano Morgenthau, conhecido pelo nome de seu formulador, o então secretário do Tesouro americano Henry Morgenthau. Esse plano previa que a Alemanha seria privada de suas principais instalações industriais e reduzida ao estado de uma economia agro-pastoril. Depois de Yalta, quando ficou claro que seria devastador para a Alemanha, Roosevelt afastou-se desse plano (Ibid. P. 278).
É possível afirmar que nada foi decidido em Yalta que já não tivesse sido acertado em Teerã. O que houve, na verdade, foi uma percepção errada de Yalta, particularmente por parte de Roosevelt. Quando a conferência foi realizada, o comitê de Lublin (governo provisório patrocinado e imposto pelos soviéticos aos poloneses) já estava operando na Polônia. Os territórios que haviam sido cedidos pelo protocolo secreto do acordo Germano-Soviético (Molotov-Ribbentrop) estavam, de novo, firmemente em mãos soviéticas. As discussões de Yalta deixaram de lado o que realmente era importante, ou seja, os arranjos para a Alemanha do pós-guerra (p. 279).
Por insistência de Churchill, duas semanas antes de morrer Roosevelt escreveu um texto mais duro a Moscou, mencionando sua “ansiedade” com o fato de que a atitude soviética adiante da Polônia significava um perigo não só para a Conferência de São Francisco, na qual se fundaria a ONU, em abril de 1945, mas também para a ordem mundial do pós-guerra. No dia 1 de abril, Roosevelt comunicou a Stalin que a situação polonesa o levava à conclusão de que os acordos de Yalta haviam fracassado.
Yalta assinalou uma esfera de influência soviética, em parte pelo erro de cálculo dos aliados em retardar a abertura da frente ocidental e, por isso, a União Soviética impôs sua hegemonia sobre os estados do Leste Europeu. Esse foi o preço geopolítico alto pelo erro acontecido no ano de 1943.
Em 12 de abril de 1945, Franklyn Delano Roosevelt morre após longa enfermidade e é substituído pelo vice Harry Truman. Em seu enterro, Truman perguntou à viúva se ela precisaria de alguma ajuda devido à perda; ela respondeu que quem precisaria de ajuda era ele, por ter assumido a presidência em meio a um fim de guerra e à beira de outra Conferência entre os Três Grandes.
À medida que as tropas dos dois lados aproximavam-se do coração da Alemanha e a derrota final do III Reich era apenas uma questão de dias, talvez semanas, as relações entre Estados Unidos e União Soviética começaram a dar mostras de grande desgaste.
CONFERÊNCIA DE POTSDAM, JULHO-AGOSTO 1945
A Conferência de Potsdam, começada em 17 de julho de 1945, foi o último encontro dos Três Grandes. No mesmo momento em que Stalin chegava a Potsdam, Truman recebia a confirmação de que fora testada com sucesso, no deserto de Alamogordo, a primeira bomba atômica da história.
Vídeo da preparação para a Conferência de Potsdam
Quatro itens faziam parte da agenda inicial de Potsdam. Dois relacionados à criação de instâncias para lidar com problemas do pós-guerra, envolvendo a criação de um conselho de ministros das Relações Exteriores e um Conselho Aliado para controle da Alemanha e outros dois de conteúdo explosivo pela implementação da Declaração de Yalta para os países liberados do Leste da Europa e a reabilitação da Itália na Comunidade das Nações.
Quando a Segunda Guerra Mundial foi chegando ao final na Europa, Stalin tinha dois grandes objetivos: 1) manter, se possível, a cooperação com os outros dois grandes; 2) levar adiante seus objetivos estratégicos de transformação da Europa Oriental. Ele não via contradições entre esses dois objetivos principais.
Stalin deixou claro que estava empenhado em obter o máximo que pudesse dos países que derrotara, enquanto os Aliados ocidentais, àquela altura, mostravam-se mais preocupados em ver como garantir estabilidade para a Europa. Os soviéticos tinham abocanhado grande parte do leste da Polônia, limitado pela Linha Curzon, e pretendiam compensar tal perda territorial dos poloneses, dando-os uma fatia importante do leste da Alemanha.
O encontro em Potsdam cimentaria as bases da divisão da Europa como a principal característica da ordem internacional para as próximas quatro décadas.
Estados Unidos e União Soviética, segundo Stalin, formavam uma aliança com muita coisa para fazer, enquanto a Grã-Bretanha tinha pouco a oferecer. Truman saiu desse primeiro contato dizendo que achava que poderia se entender com Stalin. Da mesma maneira que seu antecessor, Truman também não enxergava o ditador soviético como um dos monstros morais do século XX.
As conversas mais importantes aconteceram entre os ministros das relações exteriores e Byrnes, chefe da diplomacia americana, teve participação decisiva na formulação das posições americanas em Potsdam. Os americanos cederam à proposta soviética das novas fronteiras da Polônia e da Alemanha e os soviéticos cederam no item reparações (queriam impor uma dura política à Alemanha derrotada), ficando completamente fora da região do vale do Ruhr, na Alemanha.
Foi decidida a divisão provisória da Alemanha em quatro zonas de ocupação militar, administradas pelas potências vencedoras (EUA, Grã-Bretanha, França e União Soviética). Berlim também foi subdividida em quatro setores administrativos subordinados às potências vencedoras.
Imediatamente após Potsdam, para o próprio Stalin já estava claro que não seria possível controlar os territórios conquistados na Europa a não ser pela força. Britânicos e americanos depressa concluíram que não teriam como manter milhões de alemães vivos se à Alemanha não fosse garantida alguma forma de refazer a própria economia. Truman perdeu logo qualquer ilusão que tivesse sobre Stalin, mas, como seu antecessor saiu de Yalta, ele também saiu de Potsdam com uma visão ingênua sobre o ditador soviético.
DOUTRINA TRUMAN
Curiosamente, num dos últimos diálogos travados em Potsdam, Truman e Byrnes perguntaram ao chefe do Kremlin se uma linha que dividisse a Europa em duas metades seria traçada do Báltico ao Adriático, e Stalin respondeu que sim. Era o prenúncio da Doutrina Truman, enunciada no início de 1947, e que assinalou a transição para a Guerra Fria.
Em março de 1946 Churchill profere o discurso de Fulton e cita a criação de uma Cortina de Ferro na Europa, desde Stelin, no Báltico, até Trieste, no Adriático, onde do lado leste os povos estavam sob o controle de Moscou. Seu discurso serviu como alerta para o abandono de cooperação entre os Três Grandes.
Cortina de Ferro. Fonte: Historianet.
O discurso de Fulton foi reforçado pelas notas diplomáticas do conselheiro da embaixada americana George Frost Kennan, que usava o codinome Mr. X, nas quais descreviam a política externa de Moscou como expansionista e que era preciso conter essas ideias soviéticas para, a longo prazo, fragilizar e conduzir o regime ao colapso.
Nitidamente inspirado nas ideias de Mr. X, o presidente norte-americano Harry Truman discursa em março de 1947 sobre a sustentação dos governos da Grécia e Turquia que passavam por sérios problemas econômicos. O que ficou conhecido como Doutrina Truman foi uma reviravolta na política de isolacionismo americano, pois a nova orientação transferia a Europa para o centro da política externa norte-americana e definia a contenção do expansionismo soviético como o eixo da estratégia de Washington.
Devido aos problemas econômicos e sociais do pós-guerra, o aprofundamento da Doutrina Truman se deu através do Plano Marshall, uma ajuda em julho de 1947 para a reconstrução econômica dos estados da Europa Ocidental, através de transferência de US$ 13 bilhões (aproximadamente US$ 170 bilhões hoje) feita pelos Estados Unidos. A condição imposta por Washington era que o programa fosse articulado por organismos que não obedecessem a uma única nação, assim como uma configuração precursora de bloco econômico e político europeu.
O Plano Marshall também foi proposto para os países de influência soviética, mas Stalin recusou e proibiu os países do Leste Europeu de receberem a ajuda financeira, pois achou que esse era um programa dos EUA para interferir na soberania soviética. Apenas a Iugoslávia de Josif Broz Tito ao romper com a União Soviética pelo seu nacionalismo usou essa ruptura com Stalin para receber ajuda norteamericana do Plano Marshall.
Artigo Potsdam adaptado de WAACK, 2008, p. 285-294.
Referências
MAGNOLI, Demétrio. O Mundo Contemporâneo. São Paulo: Atual, 2008.
WAACK, Willian. Conferências de Yalta e Potsdam (1945). In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História da Paz. São Paulo: Contexto, 2008.
Proff, porque churchill tinha como objetivo esgotar as tropas alemãs e soviéticas com a abertura da frente ocidental, sendo que Inglaterra e URSS eram aliados? E em que momento a estratégia dele falhou?
Rafaela,
O que Churchill queria era entrar com as tropas inglesas depois do esgotamento das tropas russas, pois aí ficaria com os louros de ter vencido a guerra, mas a estratégia se mostrou errônea porque os russos venceram as tropas alemãs sem precisar da ajuda dos ingleses.
Durante a segunda guerra mundial,muitos países lutaram junto aos aliados, inclusive o Brasil.No entanto,Churchill menciona apenas três grandes potencias vitoriosas que foram EUA,URSS e Inglaterra .Porque apenas essas potencias foram destacadas?
Obrigada! ótimo site 😀
Obrigado Karini!
Quanto à resposta, porque essas foram as potências consideradas “Três Grandes” e foram as únicas que participaram das conferências de reterritorialização da Europa.