Crise atual (2007-2009), globalização, fragmentação e neoliberalismo


Link relacionado: principais acontecimentos mundiais (Estadão)

CRISE NA GLOBALIZAÇÃO

(Guia do Estudante, 2010, p. 134)

Na atual fase da economia mundial, em que tudo é mais interligado do que nunca, a crise iniciada nos Estados Unidos já provoca retração da produção global.

A economia mundial chegou à metade de 2009 mergulhada na pior crise desde o fim da II Guerra Mundial (1945). Pela primeira vez neste período, os Estados Unidos (EUA), os países da Europa Ocidental e o Japão estão ao mesmo tempo em recessão – ou seja, enfrentam redução em suas atividades econômicas.

Os principais índices econômicos no mundo mostram essa realidade: a Zona do Euro (países da União Europeia cuja moeda é o euro) chegou a abril de 2009 com uma queda acima de 20% da ativida­de industrial, culminando em 12 meses de retração econômica; os EUA atravessam a mais longa depressão em 64 anos, com a recessão iniciada em dezembro de 2007 chegando ao 18° mês; o comércio mun­dial, que engloba as exportações e impor­tações de todos os países, tem previsão de cair 3% em 2009 (o pior resultado em 30 anos); o conjunto da economia mundial deve encolher 1% neste ano, segundo previsões das Nações Unidas.

Bolha imobiliária

Quando falamos do conjunto da ativi­dade econômica de um país ou do mundo em um ano, usamos a expressão Produto Interno Bruto (PIB). 0 PIB do Brasil em 2008, por exemplo, foi de 2,9 trilhões de reais, somando o conjunto das atividades da indústria, da agricultura e do setor de serviços. Quando há uma recessão, o valor do PIB em um ano é menor do que o do ano anterior.

Mas, para que as economias tenham bom índice de crescimento, é importan­te que ele seja maior do que o aumento da população do país, para que as novas levas de jovens que chegam ao mercado de trabalho possam encontrar vagas (esse quadro se expressa no crescimento do PIB per capita – número obtido com a divisão do total do PIB pelo total de habitantes do país). Isso tudo explica por que o cenário de recessão é tão ruim: não só os jovens não acham emprego como parte dos traba­lhadores perde o emprego que já tem.

A atual crise econômica global teve origem no colapso do mercado imobiliá­rio dos EUA – o estouro da “bolha imobi­liária” -, em agosto de 2007, quando duas grandes empresas de financiamento de imóveis norte-americanas quebraram. A causa disso era que a maioria das pessoas que haviam tomado empréstimos com essas empresas para comprar casas não estava conseguindo pagar as prestações, que fica­ram muito caras, como resul­tado do aumento da taxa de juros (custo do dinheiro em­prestado). Cerca de um ano depois, vários dos principais bancos norte-americanos afundaram, já que possuíam boa parte de seu patrimô­nio composto de papéis baseados nesses financiamentos que não estavam sendo pagos. Como os bancos em dificuldades pararam de financiar as atividades em­presariais, a economia foi duramente atingida. E, como os EUA respondem por cerca de um quarto da produção mundial, todo o mercado internacional sofreu as consequências.

Naturalmente, essa descrição é ape­nas um resumo de alguns dos principais elementos da atual crise. O Brasil ficou relativamente preservado, mas, como um dos pilares da economia nacional é a exportação de mercadorias – sobretudo para os países ricos -, e caiu bastante o movimento de compra, também es­tamos sendo afetados.

O fato é que a velocidade e a profun­didade da crise global se relacionam com o fato de que vivemos a era da globalização, cuja característica é uma grande interdependência das econo­mias dos diferentes países.

História

Para entendermos a globa­lização, é preciso saber que o fenômeno em si começou há muito tempo. Os  primeiros passos rumo à conformação de um mercado mundial e de uma economia global remontam aos séculos XV e XVI, com a expansão ultramarina europeia.

Quando Cristóvão Colombo chegou à América, em 1492, deu início ao que alguns historiadores chamam de primeira globa­lização. O desenvolvimento do mercanti­lismo estimulou a procura de diferentes rotas comerciais da Europa para a Ásia e a África, cujas riquezas iriam somar-se aos tesouros extraídos das minas de prata e ouro do continente americano.

Essas riquezas forneceram a base para a Revolução Industrial no fim do século XVIII, que, com o tempo, desenvolveu o trabalho assalariado e o mercado con­sumidor. As descobertas científicas e as invenções provocaram grande expansão dos setores industrializados e possibili­taram o desenvolvimento da exportação de produtos.

Começaram a surgir, no fim do século XIX, as corporações multinacionais, industriais e financeiras, que irão se reforçar e crescer durante o século XX. O mercado mundial estava, então, atingindo todos os continen­tes. A interdependência econômica entre as nações tornou-se evidente em 1929: após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, a depressão econômica norte-americana teve consequências negativas no mundo todo. Enquanto isso, a Revolução Russa de 1917 e outras ocorridas após a II Guerra Mundial retiraram diversos países de uma inserção direta no mercado global. Mas, com o tempo, esses regimes passaram a sentir crescente pressão econômica e política e foram se abrindo, gradualmente.

PIB Mundial

Neoliberalismo

O fim do século XX assiste a um salto nesse processo. Em 1989 ocorre a queda do Muro de Berlim, marco da derrocada dos regimes comunistas no Leste Euro­peu. Nos anos seguintes, esses países são incorporados ao sistema econômico mundial. A própria integração da eco­nomia global acentuou-se a partir dos anos 1990, por intermédio da revolução tecnológica, especialmente no setor de telecomunicações. A internet, rede mun­dial de computadores, revelou-se a mais inovadora tecnologia de comunicação e informação do planeta. As trocas de infor­mações (dados, voz e imagens) tornaram­-se quase instantâneas, o que acelerou em muito a integração das atividades econômicas.

No momento atual, há uma política eco­nômica dominante em escala mundial cha­mada de neoliberalismo, também conhe­cida como Consenso de Washington. Essa última expressão surgiu em 1989, durante uma reunião na capital norte-americana, Washington, no International Institute for Economy, quando funcionários do governo dos EUA, de organismos internacionais e economistas latino-americanos debatiam um conjunto de diretrizes para que a Amé­rica Latina conseguisse superar a crise econômica da época e voltasse a crescer. Era um período difícil para os países latino­americanos, com dívida externa elevada, estagnação econômica, inflação crescente, recessão e desemprego. As conclusões des­se encontro passaram a ser chamadas in­formalmente de Consenso de Washington, expressão atribuída ao economista inglês John Williamson, ex-funcionário do Banco

Mundial e do Fundo Monetário Interna­cional (FMI). Por decisão do Congresso norte-americano, essas medidas seriam adotadas como políticas impositivas cada vez que esses países viessem a solicitar a renegociação de suas dívidas.

Mais tarde, as soluções apontadas no Con­senso de Washingtontornaram-se o modelo do FMI e do Banco Mundial para todo o planeta. O neoliberalismo prega que o fun­cionamento da economia deve ser entregue às leis de mercado. Segundo seus defensores, a presença do Estado na economia inibe o setor privado e freia o desenvolvimento. Algumas de suas características são:

  • abertura da economia por meio da liberalização financeira e comercial e da eliminação de barreiras aos in­vestimentos estrangeiros;
  • amplas privatizações;
  • O redução de subsídios e gastos sociais por parte dos governos;
  • desregulamentação do mercado de trabalho, para permitir novas formas de contratação que reduzam os custos das empresas.

Historicamente, as ideias do neolibera­lismo contrapõem-se às do keynesianismo – ideário formulado pelo economista John Keynes (1883-1946), dominante no perío­do do pós-guerra, a partir de 1945 -, que defendia um papel determinante e uma presença ativa do Estado na economia como forma de impulsionar seu desen­volvimento (um exemplo da política de Keynes foi o New Deal, adotado nos Estados Unidos após a quebra da bolsa, em 1929, com maciço investimen­to estatal para reativar a economia).

Nas últimas duas décadas, a expansão do comércio global resultou na intensifi­cação do fluxo de capitais entre os países. A busca de maior lucratividade levou as empresas a investir cada vez mais no mer­cado financeiro, que se tornou o centro da economia globalizada.

A atual mobilidade do mercado mun­dial permite também que grandes com­panhias façam a relocalização de suas fábricas – nome que se dá ao fechamento de unidades de produção em um local e sua abertura em outra região ou outro país. Esse mecanismo é globalmente usa­do para cortar gastos com mão de obra, encerrando a produção em países nos quais os salários são maiores para organi­zar a produção onde haja menos custos. À medida que as nações vão reduzindo suas barreiras comerciais, a fabricação em qualquer ponto do mundo e a expor­tação para outros mercados tornam-se cada vez mais rentáveis.

Blocos econômicos

Outra expressão importante da econo­mia global é a formação de blocos econô­micos, como a União Europeia, o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e o Mercosul. Os primeiros agrupamentos de nações em blocos surgi­ram com o objetivo de facilitar e baratear a circulação de mercadorias entre seus membros. Sob a economia globalizada, eles tornaram-se mecanismos para abrir as fronteiras de cada nação ao livre fluxo de capitais, ao reduzir barreiras alfande­gárias, práticas protecionistas e regula­mentações nacionais. Existem quatro modelos básicos de bloco econômico:

  1. zona de livre-comércio, em que há redução ou eliminação de tarifas al­fandegárias
  2. união aduaneira, que, além de abrir o mercado interno, define regras para o comércio com as nações de fora do bloco econômico;
  3. mercado comum, que permite a li­vre circulação de capitais, serviços e pessoas; e
  4. união econômica e monetária, em que os países assumem uma mesma políti­ca de desenvolvimento e adotam uma moeda única.

A formação de blocos econômicos acelerou o comércio mundial. Antes, qualquer produto importado chegava ao consumidor com o valor mais alto do que hoje, em razão das taxações impos­tas ao cruzar a alfândega. Os acordos entre os países reduziram – e em alguns casos acabaram com elas – essas barrei­ras comerciais, termo conhecido como liberalização comercial.

O bloco econômico mais importante atualmente é a União Europeia (UE), tanto pela força de algumas de suas eco­nomias – como as da França, Alemanha e Reino Unido – quanto pela profun­didade das relações de seus membros. Os norte-americanos impulsionaram o Nafta, tornando o México e o Canadá economias dire­tamente vinculadas à sua. Os Estados Unidos também fazem parte da Apec (Área de Livre Comércio da Ásia e do Pacífico), integrada pelo Japão, pela China, pela Austrália e pelo Chile, entre outras nações.

Na América do Sul, o grande bloco é o Mercosul, criado em 1991 por Brasil, Argen­tina, Paraguai e Uruguai, que desde o nasci­mento teve os EUA como parceiro principal – pelo chamado Acordo 4+1. Recentemente, recebeu a adesão da Venezuela que está em processo de aprovação pelo Congresso brasileiro e paraguaio (veja figura que segue).

Fonte: Revista Isto é, 4 de nov 2009, p. 99.

Desigualdades

Atualmente, os grandes investidores in­ternacionais podem, com o simples aces­so ao computador de um banco, retirar milhões de dólares de nações nas quais vislumbram problemas econômicos. Quan­do os países se tornam excessivamente vulneráveis a esses movimentos bruscos de capitais, organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) liberam empréstimos para que possam enfrentar a sangria de dólares. Em con­trapartida, os governos beneficiados ficam obrigados a obedecer ao receituário ditado pelo organismo, basicamente o estabeleci­do pelo Consenso de Washington.

Uma das consequências disso é que, além de muitas vezes penalizar as populações carentes, por causa da desativação ou desa­celeração dos investimentos sociais, essas políticas tendem a frear o crescimento eco­nômico, por força da maior carga tributária, do congelamento de investimentos públi­cos e da elevação dos juros. Assim, a globa­lização acenou com perspectivas que não se concretizaram. Imaginou-se um mundo plenamente integrado e sem fronteiras. Pelas previsões de seus defensores, novas tecnologias e métodos gerenciais promo­veriam o aumento geral da produtividade, o bem-estar dos indivíduos e a redução das desigualdades entre as nações.

Não é isso, porém, o que se vê no mundo, pois os últimos anos registram aumento das desigualdades no cenário global. O comércio internacional nunca foi tão intenso, mas as exportações dos países ricos cresceram muito mais do que as dos países pobres nas últimas décadas (veja gráficos que seguem) e, atualmente, apenas nove países (dos 194) monopolizam mais da metade de todo o comércio internacional como mostra as duas figuras logo abaixo.

comercio mundial1

comércio mundial2

Um dos instrumentos desse crescimento foi a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, com o objetivo de abrir as economias nacionais, eliminar o protecionismo (quando um país impõe taxas pesadas para restringir a importação de produtos e proteger a própria produção) e facilitar o livre trânsito de mercadorias. A OMC funciona com rodadas de discussão sobre temas específicos, que chegam ao fim quando se fecham os acordos. Ocorre que a Rodada Doha, aberta em 2001 (com prazo previsto até 2006), entrou num impasse não resolvido até hoje, pois os países ricos querem maior acesso de seus produtos aos países em desenvolvimento, que buscam restringir as vantagens econômicas que os ricos dão a seus produtores agrícolas, e não se chega a um acordo. O prolongado impasse mostra a dificuldade da globalização em beneficiar o conjunto dos países.

exportações

O fato é que, com frequência, as refor­mas neoliberais não trouxeram progresso, e em muitas regiões ocorreu o inverso. Segundo o próprio FMI, os anos 1990 foram “decepcionantes” para a econo­mia da América Latina. De acordo com um relatório de 2005 do órgão, reformas estruturais realizadas estimularam o cres­cimento, mas não resolveram problemas antigos: o número de pobres aumentou em 14 milhões na década e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita caiu mais de 1%, em média, entre 1997 e 2002. Cabe lembrar que as políticas aplicadas nos países da região naquele período foram largamente orientadas pelo próprio FMI.

13 thoughts on “Crise atual (2007-2009), globalização, fragmentação e neoliberalismo”

  1. Olá,
    Queria fazer uma pergunta,pois estou fazendo um trabalho sobre isso
    Quais os avanços tecnológicos do mundo bipolar a globalização fragmentada ?
    Se puder me ajudar..
    Desde já agradeço.
    Boa tarde.

  2. Encontrei seu blog por acaso, fiquei fascinado. Gostaria que me respondesse qual seria a solução mais rápida para acabar com miséria no Nordeste do Brasil. Ou o programa de distribuição de renda do governo atual é realmente
    o caminho?

    1. Igor,
      Não existe solução rápida para problemas que lá estão há séculos de exploração. O programa atual do governo é um importante paliativo, mas sem melhorar a educação e consequentemente qualificação da mão de obra, tem-se poucos resultados positivos. Isso significa um longo, muito longo prazo.

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