O Brasil em 2020
Por David Cohen em Revista Época, 25 de maio de 2009, p. 50-53.
Será, é claro, um Brasil diferente sob vários aspectos. A maior parte deles, imprevisível. Uma década é um período longo o suficiente para derrubar certezas absolutas (ninguém prediz uma Revolução Francesa, uma queda do Muro de Berlim ou um ataque às torres gêmeas de Nova York). Mas é também um período de maturação dos grandes fenômenos incipientes – dez anos antes da popularização da internet já era possível imaginar como ela mudaria o mundo. Da mesma forma, fenômenos detectáveis hoje terão seus efeitos mais fortes a partir de 2020.
O primeiro deles será a mudança populacional brasileira. Nos anos 1960 e 1970, os estudiosos se preocupavam com a “bomba demográfica”: as altíssimas taxas de natalidade, de seis filhos por mulher, criavam uma pressão social que atrasava o progresso do país pela exigência de investimentos pesados em cuidados com a infância. Esse problema sumiu, quase por encanto (veja figura sobre fecundidade brasileira). A urbanização, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e os novos métodos anticoncepcionais fizeram a taxa de natalidade declinar, até o atual índice de 1,8 filho por mulher. A mudança do perfil demográfico dá uma janela de oportunidade ao Brasil. Pela primeira vez, teremos mais gente no mercado de trabalho que fora dele. Mais trabalhadores que dependentes. Mais produtores que consumidores de riqueza. A janela se fechará a partir da década seguinte, com o aumento do número de idosos. Esta década é, portanto, aquela em que temos as melhores condições para resolver os problemas estruturais do país (o que o Brasil precisa fazer para crescer mais e melhor). É uma tarefa hercúlea. Mas, como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Se cada presidente deixar um conjunto de obras estruturantes para o sucessor, o país dará um salto de qualidade nos próximos 20 anos”.
Ainda sobre a população idosa, conforme a reportagem da Revista Veja (2008), a cada ano, cresce o número de aposentados no país. Já a quantidade de pessoas na ativa, contribuindo para o INSS (o sistema previdenciário oficial dos trabalhadores da iniciativa privada), não avança na mesma velocidade. Com base na atual taxa de fecundidade das brasileiras, de 1,8 filho por mulher, o economista Marcelo Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estimou que, se o ritmo se mantiver estável nos próximos anos, já em 2032 haverá mais gente recebendo aposentadoria do que contribuintes sustentando o INSS (veja figura que segue).
Se não houver ajuste no sistema, o rombo nas contas da Previdência assumirá proporções explosivas. Atualmente, o déficit entre receitas e despesas é da ordem de 2% do produto interno bruto (PIB) – ou 50 bilhões de reais ao ano. Pelas projeções de Caetano, sem reformas, o buraco deverá quadruplicar e superar 8% do PIB dentro de quatro décadas. Diz o pesquisador: “A pressão sobre os gastos é óbvia. Por isso, em todo o mundo os países correm para reformar seu sistema antes que o desequilíbrio saia do controle” (VEJA, edição 2071, 30 de julho de 2008).
As mudanças populacionais incluem certa redistribuição regional. O Sul e o Sudeste já deixaram de atrair gente do país inteiro (veja setas migratórias na figura que segue), e as cidades médias (de 100 mil a 500 mil habitantes) vêm crescendo a taxas maiores que as grandes. É possível, ainda, que o maior país católico do mundo tenha maioria protestante.
Do ponto de vista econômico, o Brasil também está bem situado. Não à toa somos considerados o mais bem arrumado entre os países do grupo Bric, à frente de China, Índia e Rússia. Espera-se que os Brics ganhem peso econômico em 2020 e respondam pela maior parte da economia mundial em 2050. Já na próxima década o PIB brasileiro (soma de todas as riquezas produzidas pelo país) deverá pular para US$ 2,6 trilhões, segundo previsão do banco de investimentos Goldman Sachs (veja figura que segue). É quase o dobro do atual. A participação do Brasil no PIB mundial passará de 2,5% para 4%. Teremos ultrapassado a Itália. A riqueza extra deve melhorar a vida dos brasileiros, mas ela sozinha não garantirá um padrão de vida de país desenvolvido. Como diz o economista Paulo Guedes, não queremos o pesadelo de um PIB gigantesco com uma população miserável. Queremos a “formação de uma enorme classe média, criando extraordinário mercado de consumo de massa pela contínua elevação da renda per capita”. Para chegarmos a isso, é preciso resolver os gargalos da economia (uma síntese de nossos desafios) e prevenir as ameaças futuras, como o rombo da Previdência Social. “O Brasil era o país do futuro. Não é mais. O futuro já está aqui. Nosso problema não é mais de subdesenvolvimento, é de injustiça”, diz o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Também no campo econômico vivemos uma janela de oportunidade. Hoje, o Brasil é uma potência do agronegócio e das commodities graças aos recursos naturais e à mão de obra relativamente barata. A partir de 2020, é possível que a África reúna essas condições. Precisamos estar mais bem preparados para competir em outro nível: da produção de conhecimento. “O Brasil precisa buscar um novo patamar de geração de riqueza através da inovação tecnológica”, diz James Wright, diretor do Programa de Estudos do Futuro (Profuturo), da Universidade de São Paulo. Precisamos de mais cientistas e técnicos. Precisamos, sobretudo, investir em educação. Teremos, nesta década, menos crianças entrando na idade escolar. Em 2020, haverá entre 10 milhões e 13 milhões de matrículas a menos no ensino fundamental. Os recursos hoje gastos com esse contingente podem ser aplicados em tecnologia, aumento da carga horária e treinamento de professores. Ainda será pouco. Para dar o salto de que o Brasil precisa, é necessário reservar para a educação no mínimo 5% do PIB – hoje gastamos apenas 3,7%.
Além de crescer mais, precisamos decidir crescer de forma mais sustentável. O Brasil começará a sentir, a partir de 2020, os efeitos do aquecimento global. As ameaças vão da desertificação de grandes áreas ao aparecimento de mais ciclones e furacões. O futuro exigirá de nós um esforço de adaptação. Não apenas ao clima, mas às mudanças sociais que despontam. Haverá empregos dferentes, e muitos de nós precisarão trabalhar até idades mais avançadas. Teremos carros melhores e menos poluentes, mas o trânsito não vai melhorar. Teremos uma redução dos níveis de violência, principalmente porque haverá menos jovens na idade mais propícia ao crime, mas essa tendência oscilará e só se confirmará totalmente a partir dos anos 2030. Viveremos mais (veja quadro que segue), e gastaremo mais com saúde. Os casamentos ocorrerão mais tarde, as famílias serão menores e haverá 5 milhões de mulheres a mais que homens. Usaremos tecnologia de ponta, compraremos prdutos maravilhosos, cultivaremos fama e consumiremos cultura de outras formas. Mas continuaremos sendo brasileiros no que isso tem de mais essencial. E, após sediar a Copa do Mundo de 2014, estaremos nos preparando para o oitavo ou nono título de campeões mundiais – três ou quatro à frente da Itália.
Fonte: Revista Época, 25 de maio de 2009, p. 53.
Tirouu muitas duvidas… um assunto muito interessante!!
Volta sempre que precisar!
Muito bom! =D
me ajudou mt no meu trabalho de geografia! (Y)