Esse escrito é uma síntese de alguns capítulos do livro de AB´SÁBER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
Por Marcos Bau Brandão
Conforme o geógrafo Aziz Ab´Sáber foram reconhecidos seis domínios paisagísticos e macroecológicos em nosso país. Quatro deles são intertropicais, cobrindo uma área pouco superior a sete milhões de quilômetros quadrados. Os dois outros são subtropicais, constituindo aproximadamente 500 mil quilômetros quadrados em território brasileiro, posto que extravasando para áreas vizinhas dos países platinos. A somatória das faixas de transição e contato equivale a mais ou menos um milhão de quilômetros, em avaliaçaõ espacial grosseira e provisória. Pelo menos cinco dos domínios paisagísticos brasileiros têm arranjo em geral poligonal, considerando-se suas áreas core: 1. O domínio das terras baixas florestadas da Amazônia; 2. O domínio dos chapadões centrais recobertos por cerrados, cerradões e campestres; 3. O domínio das depressões interplanálticas semi-áridas do Nordeste; 4. O domínio dos “mares de morros” florestados; 5. O domínio dos planaltos de araucárias.
A divisão dos domínios morfoclimáticos feita por Ab´Sáber leva em consideração o relevo (morfologia do terreno, veja post aqui), o clima (veja post sobre clima aqui) e a vegetação (veja post sobre biomas). O mapa dos domínios é similar ao mapa de biomas, porque a vegetação é o aspecto que mais se sobressai.
Amazônia Brasileira
O macrodomínio da Amazônia cobre o cinturão de máxima diversidade do planeta, se destaca pela continuidade de suas florestas, ordem de grandeza de sua principal rede hidrográfica e pelas sutis variações de seus ecossistemas. Trata-se de um gigantesco domínio de áreas baixas florestadas enclausurado entre o dobramento moderno dos Andes e as bordas dos planaltos Brasileiro e Guianense.
Posição geográfica equatorial permitindo uma fortíssima entrada de energia solar, acompanhada por um abastecimento quase permanente de massa de ar úmido (mEc), por isso o clima da Amazônia é considerado um dos mais homogêneos. O sul da Amazônia Brasileira é dominado por chuvas de verão austral (jan. a mar.) e o norte recebe precipitações do verão boreal (mai. a jul.). O rio Amazonas mantém estabilidade relativa do seu próprio nível d´água, pois enquanto os rios da sua margem direita sofrem a estiagem do Brasil Central, há um aumento de injeção de águas nos rios da margem esquerda vindas do Hemisfério Norte.
Entre o Nordeste do Pará e o Amapá, as precipitações são na ordem de 2000 a 3500mm por ano, com temperaturas médias de 25,5º a 26,5ºC. Sudoeste do Pará com o sudeste do Amazonas e o extremo Nordeste de Rondônia, chuvas de 2500 a 2800mm por ano. Oeste-noroente do Amazonas, as precipitações variam de 2500 a 3500mm por ano.
Calcula-se a área total da bacia em mais de seis milhões de quilômetros quadrados. Na Bacia Amazônica circulam 20% das águas doces existentes no planeta de 20 mil quilômetros de rios navegáveis. O rio Amazonas tem um comprimento total de 6570km, com profundidades que variam entre 30 e 120 metros.
Fracassada a implantação da agricultura – preconizada pela tecnoburocracia de uma determinada época – o espaço total da região retratada na imagem de satélite tornou-se o cenário caótico de predação da biodiversidade vegetal e animal, onde existem apenas pastos pobres e exploração madeireira. Mais de 50% do espaço regional já sofre interferência. O efeito dos garimpos também é bastante nocivo ao ecossistema.
Após trinta anos de interferências complexas, o novo cenário das relações entre os homens na Amazônia exige uma nova atmosfera de convivência e entendimento. Convém não esquecermos que vivem atualmente na Amazônia um quarto de milhão de índios – diferenciados por fatores linguísticos e por diversos níveis de contato e aculturação; quatro milhões de seringueiros, beiradeiros e castanheiros; 350 mil garimpeiros; cinco milhões de trabalhadores braçais, funcionários e peões seminômades; além de alguns milhões de habitantes urbanos, de diferentes níveis sociais e culturais. Enfim, um espaço com gente e história.
O Vasto Domínio dos Cerrados
Nas áreas onde ocorriam os cerradões – hoje muito degradadas por diferentes tipos de ações antrópicas – existiam verdadeiras florestas baixas e de troncos relativamente finos e esguios, comportanto uma fitomassa bem inferior à das grandes matas pluviais tropicais. Os cerradões parecem ter-se desenvolvido por processos naturais de adensamento de velhos stocks florísticos de cerrados quaternários e terciários. Os cerrados, também chamados de campos cerrados, são conjuntos de arboretas da mesma composição que os cerradões, porém não escondem a superfície dos solos pobres que lhes servem de suporte ecológico.
Os chapadões recobertos por cerrados são de grandes proporções, de composição florística de padrão regional de cerrados e cerradões penetrados por florestas de galeria. A região central dos cerrados ocupa, predominantemente, maciços planaltos de estrutura complexa, dotados de superfícies aplainadas e conjunto significativo de planaltos sedimentares compartimentados, situados a níveis de altitude que variam de 300 a 1700 metros. As formas de terreno são, em sua maioria, similares tanto nas áreas de solos cristalinos aplainados como nas áreas sedimentares mais elevadas, transformadas em planaltos típicos. Onde ocorrem bancadas de laterita.
Frequentemente, em algumas áreas, as florestas de galeria estendem-se continuamente pelo setor aluvial central das planícies, deixando espaço para corredores herbáceos nos seus dois bordos, arranjo fitogeográfico reconhecido pelo nome popular de veredas (as campinas de várzea na Amazônia são veredas encharcadas).
No “coração” dos cerrados encontramos extensos setores de climas subquentes e úmidos, com três a cinco meses secos opondo-se a seis ou sete relativamente chuvosos. Considera-se como espaço total dos cerrados a região que abrange desde o sul de Mato Grosso até o Maranhão e o Piauí.
A combinação de fatores físicos, ecológicos e bióticos que caracteriza o domínio dos cerrados é, na aparência, de relativa homogeneidade, extensível a grandes espaços. A repetição das paisagens vegetais ligadas aos ecossistemas dos cerrados – cerrados, cerradões, campestres de diversos tipos – contribui decisivamente para o caráter monótono desse grande conjunto paisagístico.
Caatingas: O Domínio dos Sertões Secos
A originalidade dos sertões no Nordeste brasileiro reside num compacto feixe de atributos: climático, hidrológico e ecológico. Fatos que se estendem por um espaço geográfico de 720 mil quilômetros quadrados, onde vivem 23 milhões de brasileiros.
A temperatura, ao longo de grandes estirões das colinas sertanejas, é quase sempre muito elevada e relativamente constante. Dominam temperaturas médias entre 25º e 29ºC. Na longa estiagem os sertões funcionam, muitas vezes, como semidesertos nublados. Os solos se ressecam (provocando vegetais de raízes profundas), as árvores perdem suas folhas (vegetais caducifoliados) e os rios perdem correnteza, enquanto o vento seco vem entranhado de bafos de quentura. Somente os rios que vêm de longe – alimentados por umidade e chuva em suas cabeceiras ou médios vales – mantêm correnteza mesmo durante a longa estação seca dos sertões.
No Nordeste mais seco chove uma média de 350mm por ano, enquanto que nas bordas do domínio chega a chover 800mm por ano. As faixas típicas de transição entre os sertões secos e a Zona da Mata nordestina têm o nome genérico de agrestes.
Domínio Tropical Atlântico
No vasto conjunto do território intertropical brasileiro destaca-se o contínuo norte-sul das matas atlânticas na categoria de segundo grande complexo de florestas tropicais biodiversas brasileiras. Em sua estruturação espacial primária, as florestas atlânticas abrangiam aproximadamente um milhão de quilômetros quadrados (aproximadamente 1/4 da Amazônia brasileira).
No Nordeste, reconheceu-se a faixa de transição e contato entre a Zona da Mata (1800 a 2200mm de chuvas por ano) e os sertões secos com a expressão agreste (850 a 1000mm de chuvas por ano).
As matas atlânticas, ainda que sincopadamente, chegam até as proximidades da linha de costa em quase todas as “terras firmes” litorâneas, quer se considerem os tabuleiros ondulados do Nordeste oriental, do Recôncavo Baiano, do sul da Bahia, do Espírito Santo-Norte Fluminense, como todos os esporões da Serra do Mar, a aprtir do topo dos costões e costeiras dos setores sujeitos mais diretamente à dinâmica de abrasão. “Pães de açúcar”, penedos e pontões rochosos, inseridos na linha de costa, oferecem casos locais de rupestrebiomas, sob a forma de minirredutos ou refúgios de cactos e bromélias.
O nível de interiorização das matas atlânticas no Sul de Minas/Interior Fluminense perfaz de 500 a 600 quilômetros para o interior, comportando sempre florestas tropicais de planaltos dotados de clima mesotérmico, com 18º a 20ºC de temperatura e 1300 a 1600mm de precipitações anuais. Com fortes acréscimos de chuvas e nevoeiros na fachada atlântica da Serra do Mar e da Mantiqueira. Nas bordas do Planalto Atlântico paulista ocorrem os sítios de mais elevada precipitação média de todo o país (podem chegar a 4500mm anuais).
A Amazônia Brasileira é marcada pela predominância de terras baixas, extensivamente recobertas por florestas biodiversas, em um eixo leste-oeste, ao longo do Equador. O Brasil Tropical Atlântico, por sua vez, é caracterizado por uma compartimentaçaõ topográfica muito mais complexa, sob uma vestuária norte-sul de florestas bastante contínuas, dotadas de marcante biodiversidade.
Na zona costeira do Brasil Tropical Atlântico existem ecossistemas complementares das matas atlânticas, diferenciados pela existência de suportes ecológicos específicos. Com especial destaque para os pântanos salinos, onde se desenvolveram os mais típicos biomas de planícies de mares conhecidos no cinturão tropical do planeta: os manguezais. No que concerne aos manguezais – a despeito de sua distribuição sincopada – eles se comportam como os ecossistemas mais presentes e relativamente homogêneos da costa atlântica tropical brasileira.
O domínio dos “mares de morros” (regiões granítico-gnássicas florestadas do Brasil de Sudeste) corresponde à área de mais profunda decomposição das rochas e de máxima presença de mamelonização topográfica em caráter regional de todo o país. É uma paisagem de forte expressão areolar, que se estende por algumas centenas de milhares de quilômetros quadrados, refletindo a ação dos processos morfoclimáticos tropicais úmidos em uma faixa hipsométrica cuja amplitude é superior a mil metros. Este é o meio físico mais complexo e difícil do país em relação às construções e ações humanas, região sujeita aos mais fortes processos de erosão e de movimentos coletivos de solos de todo o território brasileiro devido às enxurradas e escorregamentos de solos.
“Mares de Morros”, Cerrados e Caatingas: Geomorfologia Comparada
Planalto Brasileiro em todos os quadrantes o fator altitude é mais ou menos homogêneo (300 a 900m). Fica reduzido a três dimensões: 1. Regiões serranas, de morros mamelonares do Brasil de Sudeste (áreas de climas tropicais e subtropicais úmidos – zona da mata atlântica sul-oriental); 2. Domínio das depressões intermontanas e interplanálticas do Nordeste semiárido (área subequatorial e tropical semiárida – zona das caatingas); 3. Domínio dos chapadões tropicais do Brasil Central (área tropical subquente de regime pluviométrico restrito a duas estações – zona dos cerrados e de florestas-galeria).
Perfazem um mosaico complexo que não permite uma delimitação cartográfica linear, pois cada domínio possui uma área core e faixas de zonas de transição de litologias variadas (escudos e bacias sedimentares).
A vegetação exótica é decorrente de pequenos quadros de exceção.
O domínio morfoclimático tropical-atlântico, cujo protótipo é encontrado nos ‘mares de morros’ forestados do Brasil do Sudeste, apresenta decomposição funda e universal das rochas cristalinas ou cristalofilianas, de 3 a 5 até 40 a 60 metros de profundidade (solos do tipo latossolo), drenagem perene devido à forte cota de umidade do ar.
No domínio das caatingas impera a alteração muito superficial das rochas, com afloramentos de pequenas rochas em torno de lajedos (horizonte de alteração variando entre 0 e 3 metros, em média), presença frequente de planícies semiáridas com sulcos de cursos d´água temporários; arranjo geral de vastas depressões interplanálticas, oriundas de fenômenos de pediplanação ocorridos no decorrer do Terciário e Quaternário; drenagem exorreica, ambiente quente e seco, solos rasos e variados, campos de inselbergs ora de resistência, ora de posição, matacões (superfície rochosa arredondada) e predomínio de plantas xerofíticas de estrutura mesomórfica (leia-se: plantas acostumadas com estação seca prolongada de estrutura vegetal dos climas com uma estação seca e outra chuvosa ou clima tropical semi-úmido).
Os planaltos tropicais da porção centro-oeste atingem áreas interiores de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Depara-se com o arranjo clássico, homogêneo e monótono da paisagem peculiar às áreas de savanas. Nos interflúvios (terreno mais elevado entre dois vales) elevados dos “chapadões”, onde predominam formas topográficas planas e maciças e solos pobres (latossolos e lateritas)*, aparecem cerrados, cerradões e campestres, os quais, via de regra, descem até a base das vertentes cedendo lugar às matas de galeria.
*Latossolo significa solo espesso e laterita é decorrente do processo de laterização que concentra óxido de ferro e hidróxido de alumínio no solo formando uma espécie de capa dura superficial e resistente.
A vegetação dos cerrados sofre drenagem superficial que fica totalmente integrada durante a estação chuvosa através de caminhos d´água intermitentes nos interflúvios largos, a qual, associada com a pobreza relativa dos solos, responde pela ecologia do cerrado desenvolvida em algum momento do Quaternário (ou mesmo fins do Terciário).