Bálcãs e Balcanização – Formação e Fragmentação da Iugoslávia


Primórdios do desmembramento do território Iugoslavo – Império Austro-Húngaro e Império Otomano (como mostra o mapa abaixo)

O Império Austro-Húngaro era composto por um grande número de nacionalidades que reivindicavam autonomia, principalmente os tchecos, eslovacos, eslovenos, sérvios e croatas (veja e compare os  mapas que seguem). Reprimindo qualquer tentativa separatista, o Império Austro-Húngaro aumentou o controle sobre as minorias étnicas, que depois da independência da Sérvia em 1878 (veja mapa que segue), passou a estimular a rivalidade contra os sérvios que lutaram, em 1908, junto com os russos para conter o expansionismo austro-húngaro que havia anexado a região da Bósnia-Hezergovina.

Desde o mapa anterior, observe que a linha de fronteira em vermelho significa toda a região dos Bálcãs e a mancha em laranja significa a expansão territorial explicada abaixo do mapa  acontecida na referida data grafada no canto inferior esquerdo da figura.

O expansionismo austro-húngaro batia de frente com os sérvios. Estes eram em maioria de  7 milhões sob o domínio austro-húngaro e desde meados do século XIX havia um projeto geopolítico da Grande Sérvia, que agrupava croatas, eslovenos, montenegrinos e macedônios, além de minorias albanesas e húngaras.

Mapa de nacionalidades insatisfeitas em 1914. O contexto europeu era de intensas disputas entre nações industrializadas, acerca de limites entre elas, e de forte nacionalismo.  Esses fatores contribuíram para a eclosão da Primeira Guerra (1914/18 – Tríplice Aliança composta pelos Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Otomano. contra a Tríplice Entente composta por Império Russo, França e Reino Unido). Fonte: NETO, José Alves de Freitas; TASINAFO, Célio Ricardo. História geral e do Brasil. São Paulo: Harbra, 2006, p. 614.

O Império Otomano (Turco – mostrado no mapa anteior) desde o século XIX vinha perdendo territórios para os Impérios Austro-Húngaro e Russo (Grécia, Bulgária, Sérvia, Romênia, Monenegro, Bósnia-Hezergóvina e regiões do Cáucaso).

O Pós Primeira Guerra Mundial e a fragmentação territorial

A Iugoslávia foi criada após a Primeira Guerra (1914/18) – devido à derrota dos Impérios Austro-Húngaro e  Otomano (Turco)** – com o nome de Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, em 1918 como mostra mapa  que segue. Em 1929 recebeu o nome de Reino da Iugoslávia e no pós Segunda Guerra (1939/45), com a ascensão comunista, o território foi re-dividido de acordo com as fronteiras etno-linguísticas (e religiosas) anteriores a 1929, e passou a se chamar República Socialista Federal da Iugoslávia com capital em Belgrado, na Sérvia.

**Até a Primeira Guerra, os impérios Austro-Húngaro e Otomano (Turco) dividiram a região dos Bálcãs conforme suas próprias necessidades administrativas, sem olhar as diferenças étnico-religiosas existentes entre os povos. Sérvios e Croatas foram separados e ligaram-se à religiões diferentes. Croatas sob Roma, católicos da tradição ocidental e Sérvios sob Bizâncio (Império Bizantino ou Romano do Oriente/Otomano), cristianismo ortodoxo e cultura grega. A invasão turco-otomana islamizou parte das populações ao sul dos Balcãs. Assim, três culturas e três religiões conviviam na região que viria a formar a Iugoslávia (certifique o entendimento desse parágrafo no mapeamento abaixo e compare com os três mapas posteriores para notar que diferentes etnias e religiões se cruzam no território  balcânico aumentando a tensão geopolítica).

Fonte: SENE; MOREIRA, 2010, p. 296.

O Titoísmo, a fragmentação com a dissolução socialista e a independência das províncias

No pós Segunda Guerra houve a divisão do território iugoslavo devido à ocupação dos alemães e italianos. Hitler e Mussolini impuseram uma lógica em que os católicos e muçulmanos ficassem contra os sérvios e judeus. Surge então a  força de resistência formada pelos partizans – guerrilheiros comunistas liderados pelo croata Josif Broz Tito (primeiro ministro de 1945/53 e presidente de 1953/80), e pelos soldados monarquistas e nacionalistas sérvios intitulados chetniks. As forças de resistência vencem a ocupação alemã/italiana sem a ajuda do Exército Vermelho russo e Tito proclama a República Socialista Federativa da Iugoslávia em dezembro de 1945, ao final da 2ª Guerra Mundial , e desde o rompimento com a União Soviética em 1948. A Iugoslávia de Tito agrupava seis repúblicas: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro e Macedónia (veja mapa que segue). Tito criou também um sistema rotativo de governo, para as repúblicas não ficarem insatisfeitas, que consistia na indicação do presidente a cada período feita por cada uma das repúblicas.

O regime iugoslavo comandado por Tito era chamado de titoísmo que se apoiava no sistema administrativo federalista de direitos iguais às seis  repúblicas e ideologia de não-alinhamento internacional desde o rompimento com o Cominform (fundado em 1947, servia para coordenar ações entre partidos comunistas sob orientação da Moscou stalinista) em junho de 1948.

Os dois mapas que seguem mostram praticamente a mesma temática por dois autores diferentes. As divisões políticas acontecidas e as migrações forçadas mostradas por setas e pequenos círculos, respectivamente.

A fragmentação iugoslava do pós Segunda Guerra (1939/45) está mostrada com detalhes nos dois mapas seguintes e acontece quando a Alemanha nazista junto com a elite croata dividiu a Iugoslávia. Enquanto o líder croata Josif Broz Tito (1892/1980) estava vivo manteve a unidade territorial baseada na igualdade entre as nacionalidades e etnias. Após a queda do Muro de Berlim em 1989 e dissolução do socialismo em 1991 começa a desagregação do território iugoslavo e conflitos pela independência das províncias tratadas nesse tópico.

Ao observar o mapa e o gráfico, nota-se que os sérvios são maioria e estão espalhados por quase todo o território balcânico (clique no gráfico para visualizar melhor em outra janela). Fonte: TERRA, Lygia;  ARAUJO, Regina; GUIMARÃES, Raul Borges. Conexões: estudo de geografia geral. São Paulo: Moderna, 2010, p. 116.

O mapa anterior mostra que: como a Sérvia tinha grande maioria populacional de ocupação no território dos Bálcãs, aos olhos dos outros povos isso significava um poder imperial. Fonte: SENE, Eustáquio de; MOREIRA, João Carlos. Geografia geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2010, p. 296.

A morte de Tito em 1980 e a queda do Muro de Berlim em 1989 aprofundou a crise nos Balcãs devido à desagregação dos regimes comunistas do Leste Europeu em 1991. Os separatismos e nacionalismos controlados pelo regime titoísta  exacerbaram-se e surgiram sob a forma do confronto.

Na Eslovênia e na Croácia, as repúblicas mais prósperas e ligadas ao ocidente deram o poder aos separatistas, quando, em 1991, declararam independência e fizeram eleições presidenciais. A Macedônia seguiu o mesmo caminho, assim como a Bósnia e Hezergóvina, também em 1991.

A foto mostra o interior das muralhas na cidade medieval de Dubrovnick, Croácia. Em 1991 foi bombardeada por forças da Sérvia e Montenegro durante o processo de fragmentação da Iugoslávia e luta pela independência do território croata. Foto do autor em jul 2009.

Na Sérvia, os antigos comunistas conservaram o poder, pois ainda estavam imbuidos na ideia da Grande Sérvia (citada no primeiro parágrafo). Seguiam o ditador sérvio Slobodan Milosevic que tinha o ideal de uma “limpeza étnica” na região, tocada através do genocídio e transferência massiva de populações (migrações forçadas mostradas nas setas do mapa anterior de TERRA; ARAUJO; GUMARÃES, 2010, p. 116). O conflito começou na Eslovênia devido à declaração de independência unilateral dos eslovenos. Logo a guerra se alastrou para a Bósnia (1992-95), Estado criado por Tito com a finalidade de funcionar como espaço-tampão entre a Sérvia e a Croácia. Na Bósnia havia uma relativa quantidade de muçulmanos e minorias sérvias e croatas, além do governo da Bósnia ter sido entregue a um governante muçulmano, enquanto que um 1/3 da população do país era cristã-ortodoxa. A ONU (Organização das Nações Unidas) tentou intervir, mas de nada adiantou.

A guerra foi encerrada com a intervenção dos Estados Unidos. A assinatura do acordo de Dayton em 1995 deu fim à guerra, porém, tornou a Bósnia uma fraca confederação constituída por uma república muçulmano-croata e uma república sérvia, a hoje Bósnia-Hezergóvina (vide mapas anteriores). Até 2008, a Bósnia-Hezergóvina continuava sob a vigilância de soldados da força da União Europeia, o que impedia negociações para a sua entrada nessa comunidade.

Em seguida o conflito passou ao interior da Sérvia através das minorias étnicas. Na Voivodina o movimento se deu a partir da minoria húngara que tinha o apoio da Hungria. Em Kosovo, 10% da população era de sérvios e 90% de albaneses muçulmanos. Em 1998, os albaneses do Kosovo se movimentaram para se separar da Iugoslávia e foram violentamente combatidos pelo exército sérvio. A OTAN interviu ordenando que o líder sérvio Slobodan Milosevic parasse com os ataques. Após 78 dias de ataque pelas forças da OTAN, a província de Kosovo passou a ser administrada pela ONU como protetorado informal e Milosevic foi submetido a julgamento penal.

A contenção da guerra em Kosovo pelo vasto bombardeio executado sob a ordem do presidente norteamericano Bill Clinton tinha o objetivo de defender os “interesses nacionais” e prevenir uma guerra mais vasta que ameaçava tragar a Albânia, a Macedônia, a Grécia e a Turquia causando total instabilidade na região inclusive abalando a estrutura das forças da OTAN.

Observando as manchas religiosas no mapa anterior, nota-se claramente o porque da motivação da OTAN defendida por Clinton em rede de televisão. Se o conflito tomasse a Macedônia, ali existe uma minoria albanesa, além da minoria muçulmana que convive com a maioria de cristãos ortodoxos que consequentemente levaria o conflito à rivalidade greco-turca que vem de uma composição secular de disputas entre cristãos ortodoxos e muçulmanos na Europa balcânica. Outro problema é que a Turquia durante a Guerra da Bósnia (1992/95) apoiou os muçulmanos (armas e treinamento encoberto) e a Grécia se equilibrou entre o compromisso com a OTAN e apoio aos sérvios e sérvios bósnios.

Após a intervenção da OTAN, a Iugoslávia desapareceu em definitivo, fragmentando-se nos seus diferentes componentes políticos e étnicos. De toda a Iugoslávia só restaram Sérvia e Montenegro, que em 2003 fundaram a República Federal da Sérvia e Montenegro. Em 2006, 55,5% dos montenegrinos expressaram o desejo de separação em um plebiscito que significou a independência de Montenegro. Dois dias depois, a Sérvia declarou-se também independente.

Em 2008, os albaneses de Kosovo declararam a independência do território. Entre os países membros da União Européia, não houve unanimidade sobre o reconhecimento imediato do novo país, pois sua independência cria grave precedente para todos aqueles que têm minorias étnicas, como é o caso da Espanha e da Grécia.

Referências:

MAGNOLI, Demétrio. O Mundo contemporâneo. 2.ed. São Paulo: Atual, 2008, cap. 11.

NETO, José Alves de Freitas; TASINAFO, Célio Ricardo. História geral e do Brasil. São Paulo: Harbra, 2006.

SENE, Eustáquio de; MOREIRA, João Carlos. Geografia geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2010.

TERRA, Lygia;  ARAUJO, Regina; GUIMARÃES, Raul Borges. Conexões: estudo de geografia geral. São Paulo: Moderna, 2010.

Revista Atualidades Vestibular. Editora Abril, 1º semestre de 2008, p. 77.

Artigos Wikipédia ligados à temática para certificação de datas e eventos.


31 thoughts on “Bálcãs e Balcanização – Formação e Fragmentação da Iugoslávia”

  1. prof, é incrível a sua capacidade de nos ajudar. essa matéria é realmente impossível mas aqui ela fica um pouquiiiiinho menos complicada.

    também preciso de nota em geo. sempre fui muito boa em humanas, mas esse ano a matéria está realmente complicada. sem contar o livro que só piora a situação. veja com o washington pra no ano que vem vocês adotarem um livro menos PÉSSIMO! hehe

    mesmo assim, muito obrigada pelo seu esforço em nos ajudar sempre com o blog… tenho certeza que pelo menos 80% do terceiro ano dá uma lida aqui. 🙂

    1. Eu é que agradeço as palavras e visita Daniela. A ideia do blog é exatamente a ajuda aos alunos facilitando ao máximo a linguagem e mapeamento dos eventos. Esse é um dos nossos papéis sociais como corpo docente 😉

    1. Note no mapa que a Bósnia (estado-tampão) elimina a fronteira da Croácia com a Sérvia. Assim Tito criou um território como se fosse uma faixa de transição no meio do conflito, para amenizá-lo. Isso associado com a alternância do poder entre as províncias da região fazia com que Tito mantivesse o controle nos Bálcãs.

  2. Essa matéria é a mais difícil do planeta. Vou ficar de recu apenas em Geografia e a culpa é da geopolitica. Desisto de tentar aprender isso professor.

  3. É muito estranho pra nós, brasileiros nos acostumarmos com toda essa idéia de intolerância racial/religioso ao ponto de guerrilhas separatistas…
    De qualquer forma não consigo entender qual o método usado por Tito para apaziguar tais conflitos, digo, ele mantinha a igualdade entre as nacionalidades e etnias, mas se era tão simples assim, como tudo isso desmoronou tão facilmente com sua morte?

  4. É muito estranho pra nós, brasileiros nos acostumarmos com toda essa idéia de intolerancia racial ao ponto de guerrilhas separatistas…
    De qualquer forma não consigo entender qual o metodo usado por Tito para apaziguar tais conflitos, pode me ajudar prof?? ‘-‘

    1. Nós fomos colonizados por apenas um povo, direcionados para uma religião e temos um território vasto com 8,5 milhões de km2. Isso já explica a inexistência de separatismos.
      Tito foi grande estrategista ao criar um território tampão (Bósnia) entre a Croácia e a Sérvia, mas apenas isso não era suficiente. Ele delegou poderes aos Estados através do sistema rotativo de governo, para as repúblicas não ficarem insatisfeitas. Dessa forma, apesar da tensão geopolítica garantia a ordem no poder regional.

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